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Controle de Constitucionalidade
AGU defenderá no STF ser inconstitucional tolerar padrões mais baixos de dignidade do trabalhador rural em julgamentos de condições análogas à escravidão
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É inconstitucional tolerar padrões mais baixos de dignidade do trabalhador rural em julgamentos de acusados de submeter empregados a trabalho análogo à escravidão. É o que a Advocacia-Geral da União (AGU) defenderá em pedido que será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para ingressar como amicus curiae em processo (Recurso Extraordinário nº 1.323/708/PA) no âmbito do qual o assunto será discutido pela Corte.
O recurso foi interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão do Tribunal Regional Federal que rejeitou a condenação pelo crime de reduzir alguém a condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal) de um proprietário de fazendas no Pará onde a fiscalização do Ministério do Trabalho encontrou 52 pessoas aliciadas para executar serviços em condições degradantes. O tribunal entendeu que o relatório da fiscalização não era suficiente para fundamentar a condenação e que as condições encontradas pelos fiscais – tais como alojamentos coletivos precários e falta de água potável, instalações sanitárias e equipamentos de primeiros socorros – são “comuns na realidade rústica brasileira”.
Na manifestação que será encaminhada ao Supremo, a AGU lembra que, segundo dados do Ministério do Trabalho, cerca de 80% dos trabalhadores resgatados de condições análogas à escravidão são rurais. Desta forma, assinala a AGU, entendimentos no sentido de relativizar as condições degradantes não só tornariam aceitável um grau menor de proteção ao trabalhador rural sem qualquer fundamento constitucional como seriam “míopes em relação à situação social de predomínio de abusos trabalhistas exatamente quanto a essa categoria”.
Em um trecho do documento, a AGU destaca ser “evidente que a Constituição Federal jamais chancelou – ao contrário: combateu veementemente – a submissão de trabalhadores, inclusive rurais, a condições degradantes. Seu art. 7º, caput, equiparou o trabalho urbano e o rural em direitos, impondo uma vedação prima facie à diferenciação entre esses trabalhadores. Muito antes, a Lei 5.889/1973, no seu art. 1º, estendeu as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho aos trabalhadores rurais. Em 2014, foi aprovada a EC nº 81, que deu nova redação ao art. 243 da Constituição Federal para prever a expropriação de imóveis rurais em que se constatasse a exploração de trabalho escravo, revelando, assim, uma preocupação firme do constituinte derivado com o problema”.
A Advocacia-Geral também ressalta que o combate ao trabalho escravo é um compromisso assumido pelo Brasil em diversos tratados internacionais, e que falhar em enfrentar o problema pode, inclusive, gerar penalidades para o país no exterior. Também por isso, o país reconheceu ainda em 1995 a existência de trabalho análogo à escravidão em seu território e desde então resgatou 59 mil pessoas em tais condições, de acordo com dados do Ministério do Trabalho.
Por fim, a AGU esclarece que a fiscalização do trabalho utiliza critérios objetivos para identificar e caracterizar o trabalho análogo à escravidão. Os parâmetros estão na Instrução Normativa MTP nº 2/2021, segundo a qual “considera-se em condição análoga à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada ou conjuntamente, a: I - trabalho forçado; II - jornada exaustiva; III - condição degradante de trabalho; IV - restrição, por qualquer meio, de locomoção em razão de dívida contraída com empregador ou preposto, no momento da contratação ou no curso do contrato de trabalho; ou V - retenção no local de trabalho em razão de: a) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte; b) manutenção de vigilância ostensiva; ou c) apoderamento de documentos ou objetos pessoais.
Para a AGU, muito embora o juízo possa utilizar outras provas para formar convicção sobre as acusações de trabalho análogo à escravidão, é preciso ressaltar que os relatórios dos fiscais do trabalho possuem presunção de legitimidade e nada impede que as informações neles contidas fundamentem sentença penal condenatória.
O STF reconheceu a repercussão geral do recurso, de modo que o entendimento que a Corte formar sobre o assunto deverá ser seguido pelos demais tribunais do país na análise de causas semelhantes. O processo está sob relatoria do ministro Edson Fachin e ainda não tem data para ser julgado.