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Controle de Constitucionalidade
AGU apresenta ao STF pedido de esclarecimentos sobre o Marco Temporal
- Foto: Mário Vilela/Funai
A Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou nesta sexta-feira (08/03), no Supremo Tribunal Federal (STF), embargos de declaração com pedido para que a Corte esclareça aspectos da tese de repercussão geral fixada durante o julgamento do Tema 1.031, no qual foram definidos parâmetros para a demarcação de terras indígenas. Confira abaixo os sete pontos do acórdão que, no entendimento da União, precisam ser elucidados.
1) O conceito de renitente esbulho para fins indenizatórios
Durante o julgamento, duas compreensões do que seria renitente esbulho constaram dos votos dos ministros. Para uma delas o conceito seria a existência de conflito físico ou controvérsia judicial envolvendo a posse de determinada terra na data da promulgação da Constituição de 1988. A outra define como a capacidade de resistência e de afirmação da peculiar presença dos povos indígenas nas terras, segundo seus usos, costumes e tradições.
A tese estabelecida pelo STF durante o julgamento rejeitou a ideia da necessidade de um conflito físico ou controvérsia judicial na data da promulgação da Constituição para que uma terra seja reconhecida como indígena. No entanto, o mesmo entendimento não foi replicado na parte da decisão que dispõe sobre o pagamento de indenizações a particulares que adquiriram títulos de propriedade de áreas inseridas em terras posteriormente reconhecidas como indígenas.
Nos embargos, a AGU pede para a omissão ser sanada, de modo que a definição de renitente esbulho considere a presença dos povos indígenas na área segundo seus usos, costumes e tradições. O esclarecimento é fundamental porque, conforme foi definido pelo STF, existindo o renitente esbulho na época da promulgação da Constituição, o Estado deverá indenizar ao particular apenas pelas benfeitorias úteis ou necessárias.
2) Responsabilidade pelo pagamento de indenização
A tese estabelecida pelo STF buscou assegurar ao particular detentor de justo título de áreas incidentes sobre terras indígenas o direito ao pagamento da indenização correspondente ao valor da terra nua e benfeitorias, quando ausente ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho ao tempo da promulgação da Constituição Federal. O objetivo foi proteger o particular que confiou no sistema registral e adquiriu propriedade regularmente.
Segundo a AGU, no entanto, o acórdão é contraditório ao determinar que a União seja sempre a responsável pelo pagamento da indenização, em um ponto, e em outro fundamentar sua decisão segundo a teoria da responsabilidade civil do Estado, prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal.
Para a Advocacia-Geral da União, a responsabilidade por dispor de terras posteriormente reconhecidas como sendo de posse tradicional indígena deve ser imputada ao ente responsável pela titulação da área. “Não há como depreender de toda e qualquer titulação indevida a responsabilização da União, sob pena de se gerar para o ente central uma responsabilização universal por toda e qualquer conduta dos entes subnacionais. Por vias transversas, seria o mesmo que se admitir a responsabilidade do ente central ausente ato ilícito a ele imputável, o que não se revela legítimo”, pondera trecho dos embargos.
3) Possuidor de justo título X possuidor de boa-fé sem justo título
A AGU também pede para o STF esclarecer se o direito à indenização pela terra nua alcança apenas o possuidor de boa-fé detentor de justo título ou se é devida também ao possuidor que não detém justo título. O recurso alerta que, ao dispor sobre o tema, o acórdão parece atribuir regularidade não somente às transmissões baseadas em titulação válida, mas também àquelas baseadas apenas em posse de boa-fé.
“Todavia, não subsistem razões para garantir o direito à indenização pela terra nua também ao possuidor de boa-fé, quando ausente o justo título. Conforme ressaltado pelos ministros no decorrer do julgamento, buscou-se com a instituição da indenização pela terra nua proteger aquele particular que recebeu título legítimo de terra, posteriormente reconhecida como sendo indígena”, assinala a AGU nos embargos.
“Entender em sentido contrário significaria gerar um enriquecimento ilícito do particular - que receberia o valor correspondente à terra nua, sem, contudo, possuir título representativo da transmissão de domínio fático, em detrimento do Poder Público e também do restante da sociedade”, alerta a AGU no documento.
4) Direito de retenção
A tese de repercussão geral definida pelo STF garantiu ao particular detentor de propriedade em terras indígenas o direito de permanecer no imóvel até que seja concluído o pagamento do valor incontroverso relativo à indenização pela terra nua. No entanto, a AGU alerta nos embargos que, desta forma, bastaria ao particular procrastinar indefinidamente o que seria a definição do valor incontroverso para impedir o acesso das comunidades indígenas a suas terras, em última instância impossibilitando a realização do que a Constituição determina. Por esta razão, a AGU pede para o STF afastar do acórdão o direito de retenção do particular até o pagamento do valor incontroverso de indenização.
5) Valor incontroverso
Durante a fase de debates do julgamento, o ministro Roberto Barroso deixou consignado que o valor incontroverso da indenização devida ao particular detentor de título legítimo de área inserida em terra indígena seria "o depósito feito pelo Poder Público e levantado pelo particular". Nos embargos, a AGU aponta que, a despeito do restante da Corte ter anuído com a proposta do ministro Roberto Barroso, tal entendimento não constou expressamente da tese.
6) Prazo para reconhecimento da boa-fé
Outro ponto que a União entende omisso diz respeito à definição do termo final para o reconhecimento da boa-fé para fins do pagamento das benfeitorias e da indenização pela terra nua. A AGU observa que o ministro Dias Toffoli chegou a considerar as portarias declaratórias das terras indígenas como termo final da boa-fé da ocupação, seja para fins de cálculo das benfeitorias, seja para fins de indenização por responsabilidade do Estado – critério que, inclusive, já é adotado pela Administração Pública (Instrução Normativa nº 2/2012, da Funai). No entanto, a definição acabou não constando expressamente da tese definida pelo STF.
No entendimento da União, a partir da publicação da portaria declaratória nos diários oficiais da União e dos estados, os limites da terra indígenas tornam-se públicos e incontroversos, de modo que qualquer ocupação e benfeitoria posterior não deve ser considerada de boa-fé. Para a AGU, é fundamental, portanto, que a omissão seja sanada para constar expressamente da tese que as portarias declaratórias constituem o termo final para o reconhecimento da boa-fé para fins do pagamento das benfeitorias e da indenização pela terra nua. “Tal proceder se revela premente, com vistas a conferir segurança jurídica tanto para o particular como para o Poder Público, evitando-se recálculos indefinidos ao montante devido a título de indenização”, argumenta a União em trecho dos embargos.
7) Prazo decadencial para o redimensionamento de terra indígena
A AGU também aponta nos embargos que houve contradição do acórdão ao admitir, por um lado, a possibilidade de instaurar procedimento de redimensionamento de terra indígenas em casos de flagrante inconstitucionalidade na demarcação, mas, por outro, fixar um prazo decadencial de cinco anos para realizar redimensionamentos.
Ao obstar o procedimento revisional nos casos em que a demarcação originária foi feita de forma irregular, a decisão impede a concretização dos direitos fundamentais das comunidades indígenas à terra por eles tradicionalmente ocupada, conforme proclamados pela Constituição. Nesse caso, a área seria reconhecidamente indígena, mas não seria passível de reconhecimento devido à decadência do direito, alerta a União ao longo do documento, pedindo, ao final, para que seja afastada a incidência do prazo decadencial para instauração do procedimento de redimensionamento da terra indígena.
Ação Cível Originária nº 1.100
Em outra manifestação também protocolada nesta sexta-feira (08/03), no âmbito da Ação Cível Originária nº 1.100, na qual o Povo Indígena Xokleng apresentou incidente de controle de constitucionalidade de dispositivos da Lei nº 14.701/2023, a União se posicionou pela inexistência do marco temporal, ou seja, pela inconstitucionalidade de artigos que abordam a definição do que seriam terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas (art. 4º, caput, incisos I a IV, e seus §§ 1º, 2º, 3º e 4º); vedam a ampliação de terras indígenas já demarcadas (art. 13); dispensam a necessidade de consulta às comunidades indígenas e ao órgão indigenista federal nos casos de uso militar, energético ou de expansão de malha viária (parágrafo único do art. 20); impõem restrições aos direitos indígenas para a hipótese de sobreposição com unidades de conservação do meio ambiente (art. 23, §§ 1º e 2º); dentre outros.
No pedido sobre o qual a AGU foi chamada a se manifestar, o Povo Indígena requerente argumentou que o legislador ordinário ou a interpretação judicial não poderiam reduzir os direitos fundamentais indígenas. Para eles também haveria uma afronta ao direito de consulta livre, prévia, informada e de boa-fé, e com direito de veto, dos povos e por flexibilizar o usufruto exclusivo das comunidades indígenas.