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Proclamação da República e Democracia: Celebrar o passado para fortalecer o futuro
A palavra república possui raiz no latim e remete à “coisa pública”, cuja administração deve ser exercida entre os seus titulares. Sua origem coincide com a segunda fase histórica de Roma (509 a.C. a 27 a.C), na qual se pensou em um modelo de distribuição do poder, afastando-se da concentração nas mãos de um só déspota.
Essa forma de governo não se confunde com o seu antônimo monarquia. Deveras, a república pressupõe a eleição de um chefe de Estado, via voto popular, para o exercício de um poder (limitado) e o cumprimento de um dever (temporário). Pari passu, na monarquia, tem-se a ascensão de um chefe estatal com fundamento na hereditariedade e no tradicionalismo, podendo ainda basear-se no direito natural ou divino, para a realização de um poder, em geral, absoluto.
Tais considerações denotam que a república representa um processo evolutivo em relação à monarquia, porquanto subtrai a tirania e soergue a democracia. República e democracia têm íntima relação: a primeira edifica a alternância governamental entre os próprios titulares da coisa pública; a segunda, por sua vez, confere legitimidade ao exercício desse poder por meio do voto popular. Daí porque são princípios sensíveis, encartados em nossa Constituição Federal (art. 34, inciso VII, alínea “a”).
Sobre a relação república e democracia, a doutrina de Flávia Piovesan (2022, p. 28-30) é cirúrgica:
Além disso, a república é um pressuposto vital para a realização dos princípios e dos direitos fundamentais de um Estado, já que implica uma gestão solidária de todos para com todos. Não por outra razão, tem por fundamento a dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1º, inciso III) e por objetivo promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CRFB, art. 3º, inciso IV). James Madison (1788), jurista americano, registra a importância de uma república para controlar as facções e proteger os direitos das minorias, argumentando que uma grande república é mais eficaz em representar a diversidade de interesses.
Essa tônica doutrinária, sobretudo a de origem europeia, foi determinante para o fim do período monárquico brasileiro e a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889 - marco comemorativo, no qual a permanência de mando deu lugar a alternância de comando.
É bem verdade que o papel do exército foi crucial para o sucesso do movimento, notadamente para atender pautas próprias. Contudo, é igualmente veraz o apoio e a força do povo nesta transição, ante as influências externas, a crise econômica generalizada e o descontentamento dos grandes proprietários em face da abolição da escravatura em 1888. Destarte, uma conjunção de fatores, o apoio populacional e o poderio militar, sob o comando do Marechal Deodoro da Fonseca e do Barão de Ladário, além de figuras políticas como Campos Sales e Prudente de Morais, assentaram o fim da monarquia e do reinado de Dom Pedro II.
A Proclamação da República é um marco histórico importante e deve ser festejado. Todavia, comemorar sem obras é tornar letra morta o texto constitucional. É preciso densificar o sistema republicano por meio da sua fonte legitimadora: a democracia.
Rememore-se que o povo é o titular do poder, sendo certo que apenas o exercício deste é transferido aos representantes eleitos, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Carta Magna. Disso decorre que um regime democrático forte deve preocupar-se com os seus representados, mormente com a redução das desigualdades, o banimento da desinformação e o combate ao populismo tirano, cujas consequências viciam a vontade popular e impedem a harmonia decisória.
Por certo, a erosão democrática torna-se evidente quando analisamos os efeitos nefastos da proliferação de fake news, conforme as precisas palavras de Irineu Barreto (2022, p. 43):
Se democracia é um governo para o povo e pelo povo, a não proteção dos titulares do poder e da sua vontade legítima implica, necessariamente, a subversão desse conceito para abarcar uma governabilidade autocrática, populista e voltada aos interesses de poucos. Por corolário, ao invés de liberar o homem para o exercício pleno dos direitos fundamentais, prende-o sob as amarras de um discurso meticulosamente defraudado.
Portanto, república e democracia são pilares a serem festejados, embora com olhares de observação. Que esta data - 15 de novembro - traga reflexões e avanços para toda a sociedade brasileira.
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[1] Conselheiro do Observatório da Democracia da AGU. Atuou na Assessoria Jurídica da SAC/PR e nas Procuradorias Federais Especializadas do ITI e da Funai. Já foi Assessor Especial da Presidência do Supremo Tribunal Federal e Assessor de Ministro no Gabinete do Min. Ricardo Lewandowski.
[2] Advogado da União (AGU), com atuação nas Adjuntorias do Advogado-Geral da União e no Observatório da Democracia da AGU.
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REFERÊNCIAS
PIOVESAN, F.; HERNANDES, L. E. C. O. Democracia: Proteção Constitucional e Internacional. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.
MADISON, James. "The Federalist Papers." New York: J. & A. McLean, 1788. (Especialmente o Federalist No. 10). Disponível em: https://guides.loc.gov/federalist-papers/text-1-10#s-lg-box-wrapper-25493273. Acesso em: 10/10/2024.
BARRETO, I. Fake News: Anatomia da Desinformação, Discurso de Ódio e Erosão da Democracia. São Paulo: Saraiva, 2022. E-book.