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Liberdade de imprensa em tempos de ameaça à integridade informacional
Certos desafios da contemporaneidade, experimentados notadamente ante ao progresso tecnológico e ao avanço extraordinário de difusão de informações, têm provocado uma necessária reapreciação da dimensão e do conteúdo da liberdade de imprensa. Essa garantia de índole constitutiva dos sistemas democráticos - que assegura à sociedade o acesso à informação, como derivação objetiva do magnânimo preceito da liberdade de expressão, cuja vertente subjetiva compõe o substrato da opinião pública – se aproveita, atualmente, de um vasto horizonte de possibilidades virtuosas, contudo sob a sombra de fatores que ameaçam a sua integridade e podem distorcer a sua substância.
Não cabe dúvida que deve ser inexpugnável o núcleo da liberdade de imprensa, originário da faculdade dos cidadãos de usufruírem de uma comunicação saudável, a salvo de cerceamentos ou restrições. Fazem parte do rol de patologias nocivas ao próprio conceito de tutela à atividade jornalística os deploráveis atos de ingerência ou obstaculização, sobretudo provenientes dos poderes públicos, que venham a afetar o funcionamento dos órgãos de imprensa, assim como a manietar o exercício profissional respectivo.
No Brasil, o art. 220 da Constituição da República contempla a força normativa plena da liberdade de informação jornalística em qualquer meio de comunicação social (caput e § 1º), exigindo observância da preservação da liberdade de pensamento e do sigilo das fontes, dentre outras garantias constitucionais (art. 5º, IV e XIV). A intolerabilidade da censura jornalística traduz mandamento nítido que se extrai também do texto constitucional (Art. 220, § 2º), evocando o imperativo de superação definitiva de tristes períodos de exceção política que impuseram essa brutal modalidade de repressão.
Nessa linha de afirmação integral e robusta da liberdade de imprensa em nosso país, o Supremo Tribunal Federal declarou a não recepção dos dispositivos da restritiva Lei de Imprensa do período da ditadura militar (Lei nº 5.250/67), ao julgar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130 (relator ministro Carlos Ayres Britto), reconhecida a incompatibilidade de condicionamentos nela constantes diante do regime constitucional de liberdade de imprensa da Constituição de 1988. Não se pode admitir que haja efetivo controle democrático do poder sem que a liberdade de imprensa goze de estatuto privilegiado e imune a inúmeras formas de frustração que contra ela possam ser utilizadas.
A livre circulação de informações, num genuíno ambiente de pluralismo, proporciona à população ampla gama de benefícios típicos do acesso à comunicação social, que permitem a fruição consciente de direitos por parte dos cidadãos. Em decorrência da liberdade de imprensa, estão devidamente assegurados o recebimento e a transmissão de informações, protegida a correta transmissão de fatos, dados e notícias.
Sucede que as circunstâncias geradas pela explosão do uso das redes sociais e das plataformas digitais multiplicaram as ferramentas de comunicação social, a ponto de envolver a própria cidadania como emissora de mensagens, acarretando novas e delicadas questões que merecem atenção no sentido de conservar a integridade informacional do jornalismo. O fenômeno recente de disseminação de fake news, caracterizado por ondas de desinformação e por ataques de ódio, ganharam tamanho espaço no ambiente virtual que a confiabilidade do jornalismo sério e responsável passou a ser posta em risco. Em outras palavras, a avalanche de informações falsas ou emocionalmente manipuladas resultaram em um abalo considerável em relação ao discernimento social sobre a credibilidade dos órgãos de imprensa e dos jornalistas profissionalmente íntegros.
A perplexidade e a preocupação decorrentes desse estado de coisas, que corresponde a uma severa deformação do fluxo de informações em termos de comunicação social, recomenda que se faça uma releitura crítica do instituto da liberdade de imprensa, de modo a suplantar tais ameaças. O advento da inteligência artificial, cuja utilização degenerada pode corromper a percepção dos fatos, aliada à deturpação da verdade com obscuras finalidades políticas ou até mesmo criminosas, indica a urgência da incorporação mais intensiva de requisitos de integridade informacional para o exercício da liberdade de imprensa.
Nem tudo que se publica na imprensa pode ser blindado a título de se estar exercitando liberdade de opinião. Quando se trata de fatos, o elemento preponderante é a veracidade da notícia. Assim por exemplo, se pronuncia o Tribunal Constitucional espanhol (SSTC 34/1996 e 65/2015), em cumprimento ao disposto no artigo 20.1.d da Constituição da Espanha, que preconiza uma comunicação baseada em informações verdadeiras. Este requisito que impõe a “informação veraz” deve inspirar o enfrentamento da difícil situação atual, passível de subverter os princípios da liberdade de expressão e de imprensa para favorecer o predomínio da mentira, do engano e da trapaça.
Nesse sentido, homenagear hoje em dia a liberdade de imprensa consiste em depurá-la de desvios que possam afastá-la da sua missão precípua, qual seja, a de entronizar a integridade informacional, a bem da sociedade e dos cidadãos.
Advogado, mestre em Direito Público (UFPE), Mestre em Direitos Humanos, |