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Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam
A Fundação Bienal de São Paulo, instituição que tem a democratização e a promoção da arte e da cultura como seus ideais, em parceria com o Ministério das Relações Exteriores e o Ministério da Cultura, viabilizou a participação brasileira na 60. Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia: a mostra Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam, de Glicéria Tupinambá ao lado de Olinda Tupinambá e Ziel Karapotó, com curadoria de Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana. A exposição prevê, ainda, que o Pavilhão do Brasil seja renomeado para Pavilhão Hãhãwpuá durante o período da visitação, de abril a novembro deste ano, simbolizando o país como território indígena. O termo “Hãhãwpuá” é usado pelos Pataxó para se referirem ao território que, depois da colonização, ficou conhecido como Brasil, mas que já teve muitos outros nomes.
“Não há nada melhor do que poder encontrar no seu interior (do Pavilhão do Brasil) a discussão com a arte sobre os temas mais difíceis e necessários do nosso tempo: marginalização, desterritorialização e violação de direitos, refletindo sobre a resistência dos povos indígenas e suas propostas para um mundo mais sustentável e cidadão. Sem essa conversa, ou sem a arte, não há Brasil – ou futuro”, enfatiza a Ministra da Cultura, Margareth Menezes.
Vencedora do Prêmio PIPA 2023, a artista Glicéria Tupinambá lidera a participação do Brasil na Bienal de Veneza, ao lado de sua comunidade e dos artistas Olinda e Ziel. Suas obras carregam a riqueza artística dos povos indígenas e exaltam sua jornada de resistência e ressurgimento. “Essa mostra não apenas destaca a importância da preservação das culturas e tradições indígenas, mas também nos convida a refletir sobre as indispensáveis questões atreladas a elas, como a preservação ambiental e o fortalecimento dos direitos humanos”, pondera Andrea Pinheiro, presidente da Fundação Bienal de São Paulo.
Glicéria Tupinambá foi encarcerada por mais de dois meses no ano de 2010, e vive a trajetória do povo indígena Tupinambá, que foi estrangeiro por séculos em seu próprio território, com suas lideranças criminalizadas, perseguidas, desaparecidas, com parte de seus bens culturais tomados. Estrangeiros em seu Hãhãw, os Tupinambá eram considerados extintos até o ano de 2001, quando finalmente o Estado Brasileiro reconheceu que o povo não só nunca havia sido exterminado, como está ativo na luta para reaver seu território e parte de sua cultura que fora retirada pela colonização. A exposição Ka’a Pûera: nós somos pássaros que andam celebra a resiliência e a memória das comunidades indígenas brasileiras no contexto do tema global da Bienal de Veneza, Foreigners Everywhere [Estrangeiros em todo lugar].
“Em Tupi antigo, idioma dos Tupinambá, Ka’a Pûera são antigas florestas derrubadas para se plantar roças. Após a colheita, esse espaço fica em repouso, surgindo assim um lugar com uma vegetação mais baixa. Ao primeiro olhar, esse espaço pode parecer infértil e inóspito, porém é na capoeira que está uma grande variedade de plantas medicinais. E, com o solo em recuperação, logo poderá ser uma nova roça para sustento da comunidade ou uma nova floresta. Onde aparentemente não há vida, é a possibilidade do ressurgimento. Porém, capoeira é também conhecida pelo povo Tupinambá como uma pequena ave que vive em densas florestas, possui suas penas de tons marrom, laranja e cinza que camuflam o pássaro no solo da mata”, explicam os curadores. Com essa dupla significação, a exposição propõe, assim, “que nos lembremos daqueles que estão à margem, desterritorializados, invisibilizados, encarcerados, violados de seus direitos territoriais, porém que nos chamam para a resistência, acreditando que, somos humanos-pássaros-memória-natureza, porque sempre existirá a possibilidade de ressurgimento e resistência”, seguem Arissana Pataxó, Denilson Baniwa e Gustavo Caboco Wapichana.
O Pavilhão Hãhãwpuá, a recente tomada de posse de Ailton Krenak na Academia Brasileira de Letras, entre outras iniciativas, principalmente na área da cultura, são conquistas no desenvolvimento democrático do nosso país e sustentam a nossa crença que estamos diante de uma mudança de paradigma. No nosso entendimento, estamos vivenciando o nascimento de um pluralismo vivo, de fato e de direito. Há, sim, a possibilidade real de mudança, e agora. Não há democracia possível sem igualdade, sem compromisso social, sem representatividade de fato, sem inclusão, sem respeito individual e coletivo. É tarefa de todos buscar o equilíbrio nas diferentes visões de mundo e respeitar a necessidade e o direito que cada indivíduo tem de ver-se representado na organização social. A cultura, a arte e a memória são fundamentais para o entendimento de coesão social, para a construção de uma identidade individual e coletiva e para a moldagem de uma sociedade justa e igualitária. E é isso que pressupõe a democracia.