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Constituição de 1988 e Democracia: Caminhos para a Defesa das Liberdades
A promulgação da Constituição da República em 5 de outubro de 1988 marcou um momento histórico e de grande renovação para o Brasil. Não somente a reconquista da democracia constitucional política, na forma de resposta ao anseio popular por mais justiça social e participação política. A Constituição resultou de um processo igualmente democrático, aberto à sociedade, traduzindo um exemplo único no constitucionalismo contemporâneo da modernidade.
Não menos importante, foi o fato de descentralizar o poder, fortalecer a autonomia dos estados e municípios e introduzir o princípio da separação dos poderes com mecanismos de controle e equilíbrio entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.
A Constituição simbolizou a transição para a democracia após um longo período de regime militar, consolidando direitos fundamentais, liberdades civis e o compromisso com a justiça social. A nova Constituição foi concebida para garantir a proteção dos direitos humanos e proporcionar aos cidadãos brasileiros um sistema jurídico que assegurasse a dignidade e a participação democrática.
No mesmo mês de outubro, também se comemora o Dia da Democracia, em 25 de outubro, uma data marcada por dois eventos significativos na história do País, que remetem à luta pela liberdade e pelos direitos humanos.
Primeiro, a data homenageia o jornalista Vladimir Herzog, assassinado em 25 de outubro de 1975, após ser preso e torturado nas dependências do DOI-CODI, órgão de repressão do regime militar. Sua morte, apresentada inicialmente como suicídio, gerou grande comoção e indignação, tornando-se um símbolo da resistência contra o autoritarismo e da luta pela redemocratização. O caso de Herzog evidenciou as graves violações aos direitos humanos cometidas pelo regime e impulsionou movimentos que exigiam a volta da democracia.
O relatório da Comissão da Verdade do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo listou e documentou a biografia de 25 jornalistas desaparecidos ou assassinados durante o regime militar de 1964 a 1985.
Portanto, o Dia da Democracia, celebrado em 25 de outubro, convida à reflexão sobre a importância de preservar os valores democráticos e a memória daqueles que lutaram pela liberdade. Essa data representa um marco de resistência, homenageando tanto Vladimir Herzog, que perdeu a vida em defesa da verdade, quanto Ulysses Guimarães, que ajudou a construir um novo capítulo para o Brasil com a Constituição de 1988.
Essa data oferece uma oportunidade para refletirmos sobre a importância de um sistema democrático forte e inclusivo, que respeite a diversidade de ideias, assegure a participação popular e promova o bem-estar coletivo. A proximidade dessas duas celebrações convida à reflexão sobre os desafios e as conquistas da democracia no Brasil, que tem na Constituição de 1988 o seu principal alicerce.
Durante a promulgação, Ulysses Guimarães, então presidente da Assembleia Nacional Constituinte, proferiu palavras que ecoam até hoje:
Esse discurso reforça a necessidade de vigilância contínua na defesa da Constituição e na preservação das liberdades constitucionais que ela consagra.
A percepção da democracia deve ser ampliada para além das questões políticas e jurídicas, envolvendo também o desenvolvimento econômico, a sustentabilidade ambiental e a implementação de políticas públicas eficazes. Uma democracia sólida é aquela que não apenas garante a liberdade individual, mas também cria condições para o progresso econômico e social, promove a justiça ambiental e responde às necessidades da população por meio de políticas públicas inclusivas e sustentáveis. Ao assegurar que todos tenham voz nos processos de decisão, a democracia facilita a criação de um ambiente onde o desenvolvimento econômico pode ocorrer de maneira sustentável, beneficiando as gerações atuais e futuras.
Consolidada a democracia política, restava agora o passo mais importante, ou seja, fazer desta democracia política uma democracia econômica. Fazer com o que cidadão político seja também um cidadão econômico. Em outras palavras, fazer das mulheres e dos homens que podem votar e serem votados, cidadãs e cidadãos que não passem fome; que tenham e consigam oferecer às suas famílias educação, saúde e amparo na doença e velhice.
O conceito de democracia econômica foi conceito elaborado em 1928 por Fritz Naphtali. Entendia-se uma nova formulação de democracia onde o conteúdo econômico faria parte da democratização política. Não estavam somente em jogo o sufrágio universal, o voto direto, de igual valor, secreto, a regularidade dos períodos eleitorais e liberdade de manifestação de pensamento; o conceito de democracia econômica “complementaria o de democracia política”. Ao mesmo tempo a democracia econômica teria como pressuposto a democracia política, ou seja, haveria a necessidade da estabilidade do sistema normativo constitucional democrático, ao qual se queria oferecer vitalidade às determinações econômicas. Em breves palavras: “Democracia econômica significa assim a expansão da democracia política pela democratização das relações econômicas”[1]
Nesse contexto, o papel de instituições como o Observatório da Democracia é fundamental. O Observatório atua na defesa intransigente dos princípios constitucionais, monitorando a atuação das instituições e promovendo o debate sobre temas essenciais para o fortalecimento da democracia, com atenção especial para políticas públicas que almejam a justiça social e ambiental. Ele surge como um espaço de resistência e inovação, acompanhando de perto os desafios enfrentados pelo sistema democrático e garantindo que as vozes dos cidadãos sejam ouvidas.
A defesa da democracia e das liberdades constitucionais não é uma tarefa estática; ela exige ação contínua e engajamento em diversas frentes. Como escreveu Carlos Drummond de Andrade, em "A Flor e a Náusea",
Assim como essa flor que resiste em meio à adversidade, a democracia também exige coragem e perseverança para enfrentar os desafios e proteger os avanços alcançados, garantindo um desenvolvimento que seja socialmente justo e ambientalmente responsável.
Ao celebrarmos a promulgação da Constituição de 1988 e o Dia da Democracia, reafirmamos o compromisso com os valores fundamentais de liberdade, igualdade e justiça. O fortalecimento dessas conquistas depende de todos nós, e o Observatório da Democracia continua a desempenhar um papel crucial na vigilância e na promoção dos direitos constitucionais, garantindo que a democracia no Brasil seja plena e verdadeiramente participativa, promovendo o desenvolvimento sustentável e políticas públicas que beneficiem a sociedade como um todo.
[1]NAPHTALI, Fritz. Wirtschaftsdemokratie – Ihr Wesen, Wegen und Ziel. Frankfurt a. M.: EuropäischeVerlaganstalt, 1966, p. 21.
Alexandra Amaral
Procuradora Federal em atuação no Observatório da Democracia.
Martonio Mont'Alverene Barreto Lima
Conselheiro do Observatório da Democracia