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ARTIGO
As ameaças da desinformação eleitoral na era da “dromocracia”
Crédito: Shutterstock
A “verdade única” sobre narrativas não existe. Já a “mentira sobre fatos” existe sim e é muito frequente. Podem parecer contraditórias as duas afirmações anteriores, sobretudo para os que entenderem que a verdade seria o contrário imediato da mentira. Verdades e mentiras precisam ser analisadas no contexto político, na era da pós-verdade.
Estamos hoje imersos em um sistema governado pela rapidez: um processo “dromocrático” transversal, pelo qual a velocidade digital transfixa todos os setores do entendimento humano. O Observatório da Democracia da Advocacia-Geral da União (AGU), especialmente por sua Comissão de Jurimetria, pretende analisar dados e impactos das “notícias falsas” sobre o resultado das eleições.
No sistema eleitoral brasileiro, divulgações incorretas sobre fatos políticos não podem ser desmentidas a tempo e acabam interferindo na escolha do eleitor. As notícias falsas navegam na insegurança do eleitor. Em matéria de política, eleitores frustrados acabam aliciados por conteúdos maliciosos. O sistema eleitoral precisa garantir que o eleitor não seja enganado, justo quando está decidindo em quem votar.
Um exemplo simples pode ajudar a entender: se o eleitor for “incorretamente informado”, nas vésperas do pleito, de que “o seu candidato seria um criminoso ou de que não pode mais ser eleito por algum fator”, este eleitor tenderá a reverter seu voto em favor de outro político. Após o pleito eleitoral será tarde demais para reverter os efeitos da enganação.
Notícias falsas durante o processo podem sim distorcer o resultado do pleito eleitoral, pois afetam a formação livre da vontade popular. A velocidade com que as redes sociais espalham versões mirabolantes atinge a liberdade de expressão. Somos governados pela velocidade, daí falarmos hoje em “dromocracia” (“dromos”, em grego, corresponde a rua, estrada, corrida, percurso e até a um caminho da agilidade).
A “dromologia” é o estudo deste caminho ou atalho mais rápido. A “dromocracia” discute assim os mecanismos para uma gestão atenta aos meios digitais em tempos de democracia veloz. Quem decide rápido pode acabar decidindo mal, pois a tomada de decisão de modo consciente precisaria de tranquilidade para seleção de premissas.
É inegável que as fake news podem afetar diretamente os resultados de uma eleição. Isto porque elas atentam contra a liberdade de expressão, que é o preceito básico para a boa informação no Estado Democrático de Direito. “Notícias falsas” circundam e sufocam o real debate das ideias políticas: quem pensa diferente não terá o imprescindível espaço para se expressar.
A “cidadania ativa” só se implementa pela discussão dos problemas sociais concretos, e não de factoides ou de fantasmas eleitorais. As relações políticas francas envolvem, portanto, selecionar livremente os problemas e projetos públicos mais relevantes. Para tanto, o processo eleitoral deve ser livre e transparente. A liberdade de expressão não pode acabar diminuída em razão da disseminação de “notícias falsas”.
Nas eleições, o cidadão vota no candidato que mais se assemelha à sua visão de mundo. A cabine de votação indevassável precisa garantir a extração asséptica da vontade popular. Manchar candidatos com incorreções sobre fatos pode alterar as chances reais de eleição.
Somente informações completas, positivas ou negativas, podem conformar um eleitorado instruído para escolher livremente os seus governantes. A propaganda tem por fim disseminar ideias, com a meta de influenciar pessoas e conquistar a adesão do eleitor. É um processo válido e precisa se restringir aos limites do “fair play eleitoral”.
É por intermédio da propaganda que os eleitores podem formar seu juízo a respeito dos postulantes a mandatos eletivos. Política é acúmulo de forças, e não a arte do bem-querer. No entanto, a escolha individual pode ser apoiada em preferências e afinidades pessoais, e nada há de errado nisso.
A liberdade do eleitor para gostar ou não de alguém, não legitima, todavia, práticas de difamação ou calúnia contra adversários. A circunstância de não haver verdade única sobre a disputa de narrativas em política não autoriza ninguém a falsear fatos sobre a situação pessoal dos que concorrem a um cargo político.
As redes sociais são um ambiente propício para que a “mentira sobre fatos” seja espalhada de forma rápida e amplificada. Durante as campanhas eleitorais, acusações ficcionais não podem ser utilizadas para enfraquecer alguns candidatos e fabricar o sucesso artificial de outros. A ampliação do acesso tecnológico se torna uma ameaça para o processo eleitoral.
As fake news são a base da desinformação eleitoral em uma sociedade com educação política reduzida. O controle de sua disseminação não pode se dar apenas pelo Poder Judiciário. Mecanismos sociais de controle e de verificação precisam ser colocados em prática.
O direito eleitoral possui dispositivos que combatem as informações inverídicas: mecanismos estes reforçados pelo direito de resposta, pela vedação ao anonimato e pela garantia constitucional da liberdade de expressão.
Os debates políticos amplos, as críticas sérias e a pluralidade de ideias precisam prevalecer nas eleições. Perverter fatos, sem tempo político para os contraditar, é desinformação proposital que amesquinha nossa democracia.
O tema é relevante e o Observatório da Democracia da AGU pretende trazer o assunto para a reflexão de todos, para que os mecanismos jurídicos e sociais de controle possam ser aprimorados. Na era da política pós-factual é um dado que estamos todos mergulhados na pós-verdade. Se as pré-mentiras tomarem conta da cena política, nossos eleitores não terão como se defender.