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93 anos do voto feminino: viva a luta por democracia!
A participação feminina nos processos eleitorais brasileiros é conquista recente, resultado de uma luta histórica que ainda persiste. A exclusão das mulheres do direito ao voto remonta à Constituição de 1824, que permitia apenas aos homens maiores de 25 anos, com renda significativa, participarem das eleições. A Constituição de 1891 manteve a restrição implícita, sem mencionar as mulheres em seus dispositivos.
No entanto, algumas pioneiras desafiaram essa exclusão. Em 1906, Alzira Vieira Ferreira Netto, Cândida Maria dos Santos e Clotilde Francisca de Oliveira votaram em Minas Novas (MG). Em 1910, a Professora Leolinda de Figueiredo Daltro fundou o Partido Republicano Feminino, impulsionando o movimento sufragista, ao lado de Bertha Lutz, Maria Lacerda de Moura e Almerinda Faria Gama.
O marco legal do sufrágio feminino veio com o Código Eleitoral de 1932, após 41 anos de reivindicações. Antes disso, o Rio Grande do Norte já havia inovado ao permitir o voto feminino em 1927, possibilitando a participação de Celina Guimarães Viana. Em 1928, Alzira Soriano tornou-se a primeira prefeita eleita no Brasil.
Outro caso emblemático foi o de Mietta Santiago, advogada e escritora mineira, que obteve o direito ao voto via mandado de segurança e votou em si mesma como forma de protesto. Carlos Drummond de Andrade imortalizou sua luta no poema "Mulher Eleitora".
Com a promulgação da Constituição de 1934, o voto feminino tornou-se obrigatório para as mulheres que exercessem função pública remunerada, excluindo a maioria da população feminina. Ainda assim, a década de 1930 trouxe avanços com Antonieta de Barros, primeira deputada negra eleita no Brasil.
A democracia sofreu um revés com o Estado Novo (1937-1945), mas foi restaurada com a Constituição de 1946, que garantiu o voto obrigatório para ambos os sexos. No entanto, as mulheres continuaram sub-representadas, com apenas quatro deputadas eleitas em 1978 e oito em 1982. Eunice Michiles tornou-se a primeira senadora em 1979, assumindo como suplente.
A Constituição de 1946 vigeu até 1964, em lapso democrático de apenas 18 anos.
Entre 1964 e 1969 foram 17 Atos Institucionais, regulamentados por 104 atos complementares, entremeados pela Constituição de 1967 e o Ato Institucional nº 5, de dezembro de 1968, este ainda mais duro que os anteriores.
Houve o fechamento do Congresso Nacional, suspensão de qualquer tipo de reunião política, censura dos meios de comunicação e das manifestações artísticas e culturais, enfim, recrudescera o controle exercido sobre a sociedade, oprimindo ainda mais as mulheres.
O segundo Código Eleitoral brasileiro, de 15 de julho de 1965, manteve a obrigatoriedade de voto e alistamento “para um e outro sexo”, no art. 6º, asseverando que todo poder emanava do povo e que seria exercido em seu nome pelos mandatários eleitos, conforme dispunha o art. 2º. Nesse documento não havia mecanismos que incentivassem as mulheres ou lhes dessem alguma expectativa de participação em pé de igualdade com os homens.
O autoritarismo dominava a cena política, com os militares no poder de 1964 a 1985, ainda assim, a luta feminista permitiu ampliação dos direitos da mulher casada com a Lei nº 4.121 de 1962, modificando o Código Civil e redundando na eleição de 04 Deputadas Federais em 1978, número dobrado em 1982. Sucedeu-se, ainda, a posse da primeira Senadora, Eunice Michiles, em 1979, em decorrência da morte do titular. Ela compusera a chapa como suplente.
A redemocratização acelerou mudanças, incluindo a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) em 1985. Na Constituinte de 1988, 26 mulheres foram eleitas deputadas, representando apenas 4,9% do total. Elas apresentaram 34 emendas coletivas e centenas individuais, abordando temas como violência de gênero, igualdade salarial, proteção ambiental e direitos das mães presidiárias.
Promulgada a Constituição de 1988, com a conjunção de fatores sócio-políticos que desaguaram no fim da ditadura militar e assentou a igualdade entre homens e mulheres no rol de direitos fundamentais, muito por força da atuação das mulheres eleitas constituintes, novos tempos eram esperados. Os objetivos da República, fincados no art. 3º, buscavam a construção da sociedade livre, justa e solidária, na qual não houvesse discriminações, nomeadamente em decorrência de origem, raça, sexo, cor e idade – o que reforçava a esperança.
O reconhecimento internacional veio com a Declaração de Viena (1993) e a Convenção de Belém do Pará (1994), que reforçaram o combate à violência contra a mulher e incentivaram sua participação política. Apesar dos avanços, a representatividade feminina ainda é um desafio. Com a proximidade da COP 30, em 2025, as mulheres – especialmente as negras, periféricas e pobres – continuam sendo as mais afetadas pelas crises climáticas e sociais.
A situação das mulheres na política e na vida brasileira, em marchas e retromarchas, convida à reflexão de Virgina Wolf, versada nos idos de 1931, mas bastante atual:
A precisão do registro de Wolf mostra que apesar de incrementos graduais e melhorias percentuais nas últimas eleições, no mundo do trabalho, nos cargos de gestão - impulsionadas em grande parte pelas cotas - os dados estatísticos ainda não refletem a instauração de uma democracia substancial que inclua as mulheres nos espaços de poder de maneira proporcional à sua presença na sociedade. Os números, ainda que positivos, mostram que há um longo caminho a ser percorrido para alcançar uma representatividade equitativa e fazer jus ao voto feminino como conquista da democracia.
1 Este texto foi extraído e adaptado por Edilene Lôbo, a partir daquele publicado no Livro Democracia, Eleições e Participação Feminina: elas pensam o Brasil, Coordenado por Aline Osório e Letícia Giovanini Garcia, lançado pela Editora Fórum, Belo Horizonte, 2025, p. 35-52, de autoria de Edilene Lôbo e Maria Thereza de Assis Moura, intitulado Mulheres, Poder e Democracia: Correlação Necessária.