Tecnologias do ABC+ (SPSabc)
O estímulo à adoção de sistemas, práticas, produtos e processos de produção sustentáveis, denominados SPSABC, continuará sendo o cerne do ABC+. Após uma ampla consulta a especialistas nas diferentes tecnologias, realizada por meio de discussões técnico-científicas, foram revistas a abrangência e as nomenclaturas dos SPSABC já contempladas na fase anterior.
Ampliou-se o escopo da Recuperação de Pastagens Degradadas (RPD), que passa a considerar, além da recuperação, a renovação de pastagens com algum grau de degradação e passa a ser Práticas para Recuperação de Pastagens Degradadas (PRPD), e do Tratamento de Dejetos Animais (TDA), que passa a ser nominado Manejo de Resíduos da Produção Animal (MRPA), considerando outros substratos, além dos dejetos animais. Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), agora Bioinsumos (BI), passa a incluir também Microrganismos Promotores do Crescimento de Plantas (MPCP) e multifuncionais. ILPF é renomeado Sistemas de Integração (SIN), no qual se dá maior destaque aos Sistemas Agroflorestais, tratando-o separadamente da ILPF. Por fim, incluem-se três novos SPSABC: Sistema Plantio Direto Hortaliças (SPDH), dentro de Sistema Plantio Direto, Sistemas Irrigados (SI) e Terminação Intensiva (TI).
A partir de seu lançamento, outros SPSABC poderão ser incorporados ao ABC+, mediante um processo sistematizado e contínuo de avaliação. Para tal, devem ser capazes de comprovar sua contribuição efetiva para adaptação e mitigação e eficiência produtiva, alicerçados sobre conhecimento científico consolidado, mediante publicações científicas. Uma vez atendidos esses critérios, os sistemas, as práticas, os produtos ou os processos de produção serão incorporados à carteira de SPSABC, em sua sucessiva revisão (realizada bianualmente).
A seguir, são apresentados todos os SPSABC que compõem o ABC+, com suas respectivas definições, benefícios em termos de promoção de adaptação, mitigação e sustentabilidade, metas estimadas até 2030 e indicadores para seu monitoramento. São apresentados, ainda, os desafios previstos para sua adoção, ampliação e manutenção, se já definidos.
Práticas para Recuperação de Pastagens Degradadas (PRPD)
Considerando a possibilidade de se utilizar diferentes práticas para recuperar ou renovar uma pastagem com algum grau de degradação, o ABC+ amplia o escopo da então denominada “Recuperação de Pastagens Degradadas (RPD) ”, para Práticas para Recuperação de Pastagens Degradadas (PRPD), um sistema que promove a recuperação da capacidade produtiva das pastagens degradadas com o incremento na produção de biomassa vegetal das espécies forrageiras (calagem ou adubação) e seu manejo racional. Reduz a necessidade de expansão de áreas de pastagens sobre florestas e aumenta o carbono em solo e biomassa (acúmulo de forrageiras).
Sistema de Plantio Direto (SPD)
O Sistema Plantio Direto (SPD) caracteriza-se por um conjunto de tecnologias de manejo do solo e de culturas, fundamentado em três princípios da agricultura conservacionista: (I) mínimo revolvimento do solo, restrito somente às linhas de semeadura, com a consequente manutenção dos resíduos culturais na superfície; (II) cobertura permanente do solo (plantas vivas ou palhadas), e; (III) diversificação de plantas na rotação de cultivos, com adição de material orgânico vegetal (palha e raízes) em quantidade, qualidade e frequência compatíveis com a demanda do solo.
No ABC+, além do estímulo à ampliação da adoção do SPD para cultivo de grãos (SPDG), será também fomentado seu uso para o cultivo de hortaliças (SPDH), menos conhecido. O SPDH absorve os conceitos do SPD, e surge como uma alternativa de mitigar os impactos negativos gerados pelo sistema de produção convencional de hortaliças. O SPDH preconiza o cultivo de hortaliças, associado a plantas de cobertura cultivadas, em diferentes combinações. No processo de transição entre o cultivo convencional de hortaliças e o SPDH, pode-se haver a adoção do Sistema de Plantio com Preparo Reduzido (PPR) que, apesar de intermediário, é também capaz de melhorar a qualidade do solo, com rápido aumento da sua fertilidade por promover a incorporação das plantas de cobertura em seus primeiros 10 cm. O SPDH, por sua vez, apresenta uma melhora mais gradual e consistente da qualidade do solo, embora seja necessário mais tempo para que o ápice seja alcançado.
Sistemas de Integração (SI)
“Integração” é o ato ou efeito de integrar ou tornar inteiro, caracterizado pela combinação de partes isoladas para a formação de um conjunto que trabalha como um todo. Um de seus usos, no Brasil, é para identificar sistemas de produção agropecuária que combinam as atividades agrícola, pecuária e/ou florestal na mesma área ou gleba, constituindo um sistema de produção. Compostos por diferentes tipos, com graus variados de diversificação e complexidade, atualmente são considerados os sistemas mais sustentáveis para produção de alimentos, grãos, fibras e energia. No ABC+, dois tipos de sistemas serão fomentados: Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e Sistemas Agroflorestais (SAF).
Sistemas de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) - é uma estratégia de produção sustentável que integra atividades agrícolas, pecuárias e/ou florestais em uma mesma área, seja em consórcio, sucessão ou rotação. Compreende quatro sistemas de produção: integração lavoura-pecuária (ILP), integração lavoura-floresta (ILF), integração pecuária-floresta (IPF) e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Já existem disponíveis arranjos bem definidos e consolidados para todas as regiões do Brasil, podendo ser fomentados para diferentes condições e realidades. Os sistemas ILPF são comprovadamente tecnologias agrícolas poupa-terra, de alto desempenho ambiental, especialmente no que tange a melhoria da capacidade adaptativa e da resiliência dos sistemas de produção agropecuários frente à mudança do clima, ao mesmo tempo que possibilita o aumento da produtividade via intensificação sustentável, sem a necessidade de abertura de novas áreas.
Sistemas Agroflorestais (SAF) – são sistemas de uso da terra onde espécies lenhosas são utilizadas com culturas agrícolas e/ou com animais, nas mesmas unidades de produção, num determinado arranjo espacial e temporal. Abrangem desde sistemas muitos simples, como uma espécie de árvore consorciada com uma espécie de cultivo, denominados “Taungya”, a sistemas muitos complexos, assemelhados à vegetação nativa em relação às espécies; diversidade e função; estrutura horizontal e vertical, e; dinâmica sucessional. São utilizados mundialmente para produção de alimentos, especiarias, plantas medicinais, produtos madeireiros, energia, bioativos, produtos para alimentação animal, matéria-prima para construção civil (palha, bambu) e artesanato (sementes, fibras). As principais vantagens na utilização dos SAF são a produção complementar e diversificada, e a interação positiva entre seus componentes, garantindo segurança alimentar. Alguns exemplos mais utilizados no Brasil são os consórcios agroflorestais, as agroflorestas sucessionais, o manejo de capoeira, os quintais florestais e os sistemas sombreados (cabruca, café sombreado). Ao incluir os SAF no ABC+, como uma opção para obtenção de múltiplos produtos, sob variados perfis socioeconômicos de produtores e nos diferentes biomas, também se promove a otimização do uso da terra, conciliando conservação com produção de alimentos.
Florestas Plantadas (FP)
As FP, no âmbito do ABC+, serão fomentadas para o atendimento de duas finalidades: produção comercial de madeira, fibras, alimentos, bioenergia e produtos florestais não madeireiros (látex, taninos, resinas e bioprodutos) em áreas particulares, e; recuperação em áreas ambientais, conforme definido em legislação específica. As FP possuem um papel importante em termos econômicos e ambientais, atenuando, principalmente, as pressões antrópicas sobre florestas nativas. Segundo a Indústria Brasileira de Árvores, para cada 1 hectare de FP, conserva-se aproximadamente 0,7 ha de florestas naturais. As FP são sumidouros de carbono, tanto no caso dos plantios industriais, como nos de recuperação. Nos primeiros, há, via de regra uma captura acelerada de carbono advinda das florestas de rápido crescimento, mas o estoque total armazenado é delimitado pelas explorações econômicas. Um hectare de eucalipto, por exemplo, captura 30 t de CO2 por ano, mas é cortado normalmente no 6º ano. No caso de pinus, a captura é menor anualmente, 20 t de CO2, mas seu corte se dá até o 20º ano. As FP apresentam outros benefícios, como melhoria das condições de solos e água, prevenção de enchentes e controle de erosão, conservação da biodiversidade, com habitats com maior diversidade de plantas e animais, e criação de corredores biológicos permeáveis. Juntos, tais benefícios contribuem para a formação de uma paisagem integrada, qualificando a propriedade rural no contexto da Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais.
Bioinsumos (BI)
A importância crescente do uso de microrganismos e outros ativos na agropecuária nacional impulsionou o lançamento, pelo governo brasileiro, do Programa Nacional de Bioinsumos. Destes, os inoculantes contendo microrganismos com atuação favorável ao crescimento de plantas são um dos mais utilizados no Brasil. Incluídos no Plano ABC, por meio do estímulo à Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN), no ABC+ continuam sendo objeto de fomento, embora nesta nova fase, além da FBN, serão incluídos outros microrganismos promotores do crescimento de plantas (MPCP) e multifuncionais que atuam para melhoria da fixação e ou disponibilidade de nutrientes e, também, microrganismos e macrorganismos para controle biológico. Embora os microrganismos relacionados à FBN e a outros processos de promoção do crescimento de plantas existam na natureza, os benefícios advindos às culturas podem ser potencializados pelo enriquecimento via aplicação de bioinsumos. No ABC+, renomeou-se a tecnologia antes denominada “Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN)”, doravante “Bioinsumos”, alargando seu escopo. O suprimento adequado de nutrientes às culturas é fundamental para garantir os incrementos necessários na produção agropecuária. Os nutrientes podem ser aportados via fertilizantes nitrogenados sintéticos, embora o País importe, em média, 84% do nitrogênio, fósforo e potássio consumidos, implicando em alta dependência externa, custo elevado e influência de oscilações cambiais. Além disso, o uso de fertilizantes nitrogenados sintéticos pode acarretar maiores impactos ambientais, perda por lixiviação e maiores emissões de GEE, neste último caso, atrelada tanto à síntese e processamento, como ao transporte e utilização desses insumos agropecuários. Assim, quando os fertilizantes químicos são substituídos por microrganismos, pode-se ter grande retorno econômico, social, ambiental e produtivo.
Sistemas Irrigados (SI)
A irrigação não deve ser considerada isoladamente, mas como parte de um conjunto de tecnologias, levando-se em conta os sistemas de plantio, de possibilidades de rotação de culturas, de proteção dos solos, entre outras. Ou seja, deve estar inserida no conceito de Sistemas Irrigados. Inserida no conceito de SI e com as novas tecnologias, equipamentos e conhecimento técnico, a sua implantação tem sido feita de forma sustentável, ou seja, aplicando água obtida considerando os preceitos legais (outorga), de forma eficiente. O País tem um grande potencial de crescimento da agricultura irrigada em áreas de intensificação e de ampliação sobre áreas de pastagem. O aumento da produtividade de forma sustentável, da mitigação de GEE, e da execução das metas nacionais de segurança alimentar e desenvolvimento, são alguns dos benefícios obtidos com a implantação de SI.
Manejo de Resíduos da Produção Animal (MRPA)
Antes denominado “Tratamento de Dejetos Animais (TDA)”, o agora denominado “Manejo de Resíduos da Produção Animal (MRPA)” engloba tecnologias para o tratamento de todos os tipos de resíduos oriundos da produção animal, como dejetos líquidos (compostos pela mistura de água de limpeza, fezes, urina e, restos de alimentos), camas, carcaças de animais mortos não abatidos e resíduos fisiológicos, entre outros, e adequada estabilização de seus efluentes. O tratamento de resíduos da produção animal é uma alternativa ao armazenamento em lagoas (esterqueiras), sistema altamente emissor de GEE, principalmente metano. Duas são as principais tecnologias usadas para MRPA: biodigestão (ou rota líquida) e compostagem (ou rota sólida). Em ambas, é possível utilizar todos os tipos de resíduos (líquidos e sólidos). Espera-se, no âmbito do ABC+, aumentar o volume manejado de resíduos da produção de animais confinados, especialmente suínos, bovinos e aves, potencializando a sinergia entre ganhos econômicos e ambientais em propriedades rurais, diminuindo o impacto de sistemas intensificados sobre o solo e água. Além disso, a decomposição de resíduos e estabilização adequada dos efluentes contribuem para a redução da emissão de GEE decorrentes do correspondente processo de fermentação.
Terminação Intensiva (TI)
A TI é um dos novos SPSABC que foram incorporados ao ABC+, devido sua comprovada eficiência científica em reduzir emissões de GEE e a promover adaptação, ao permitir maior flexibilidade e ajuste de estratégia de uso para pastagens. A TI consiste na intensificação do manejo alimentar na fase final de produção de bovinos destinados ao abate, principalmente pela adoção de regimes de confinamento, semi-confinamento e suplementação à pasto. Nesses como estratégia, aumenta-se o fornecimento de energia, principalmente, mas não exclusivamente, pelo emprego de grãos, farelos, aditivos e coprodutos. Assim, a TI reduz a intensidade de emissão de forma direta, ao reduzir as emissões de metano durante a fermentação no rúmen, e de forma indireta, ao encurtar o ciclo de produção, permitindo o abate de animais mais jovens. A importância da inclusão da TI no ABC+ está na complementariedade a outras tecnologias por ele promovidas, tais como PRPD, BI, SI, MRPA e SIN. Tem-se, portanto, um grande potencial para sua expansão em um universo mais amplo de produtores e em sistemas de produção já previstos nesta política pública. Espera-se, assim, que o ABC+ estimule a adoção da TI entre produtores de bovinos de corte que fazem recria e engorda, contribuindo para a eficiência geral da cadeia de produção de carne, em diferentes biomas do território brasileiro.