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Cacau do Brasil
Demanda por chocolates finos estimula investimentos no processo de beneficiamento do cacau
- Foto: Aguido Ferreira/Ceplac Bahia
A busca por amêndoas de qualidade e chocolate fino tem dado um novo tom para a cadeia produtiva de cacau no Brasil. As regiões cacaueiras, antes ricas apenas pela produção de cacau como commodity , agora se reinventam para aproveitar todas as potencialidades do fruto.
Em busca de destacar o sabor, o aroma e a textura originais do fruto no chocolate, os produtores estão explorando novas possibilidades para deixar uma identidade diferente no produto final. Segundo os especialistas da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), quando o processo de beneficiamento das amêndoas do cacau é feito de forma correta, o produtor consegue eliminar perdas, reduzir custos, ganhar peso do cacau seco e, consequentemente, ter mais lucratividade.
E muitos aproveitam as amêndoas de qualidade para fazer o próprio chocolate, em vez de vendê-las para a indústria. É o movimento chamado bean to bar , da amêndoa à barra de chocolate, ou tree to bar , da árvore até a barra, no caso dos produtores de chocolate que também são cacauicultores.
“Este movimento já incomoda e forçou a indústria a apresentar produtos diferenciados, mas que não têm a qualidade que o bean to bar tem. É aí que está a beleza do bean to bar : ter vários tipos de chocolate para todo mundo apreciar”, comenta Neyde Alice Pereira, especialista em pós-colheita do cacau da Ceplac.
Um dos primeiros produtores de cacau da região sul da Bahia a ingressar no movimento foi José Carlos Maltez, integrante de uma família que produz cacau desde o final do século XIX no estado. Maltez conhece de forma profunda toda a história da lavoura cacaueira no estado e não perdeu o movimento de verticalização da produção. A nova geração de sua família produz hoje uma das marcas de referência em chocolate fino na região sul da Bahia.
“Esse chocolate atual parte diretamente da amêndoa e por isso cada chocolate maker pode dar um tratamento especial à mesma amêndoa e ter chocolates diferentes Isso é o despertar de uma cultura do trabalho artesanal, do sentimento de dentro de casa, de fazenda”, comenta Maltez.
Reconhecimento
Depois de intensa mobilização da Ceplac e da Câmara Setorial da Cadeia Produtiva do Cacau do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Brasil pode entrar ainda este ano no rol de produtores e exportadores de cacau fino e aromático, identificado por apresentar sabores diferenciados, desde frutados, florais, entre outros.
O país é o único da América do Sul que ainda não integra o seleto grupo de 23 países reconhecidos por produzirem cacau de qualidade diferenciada. A lista é definida pela Organização Internacional de Cacau (ICCO), que reúne os países produtores e consumidores de cacau.
A resposta definitiva à solicitação brasileira deve sair em setembro, durante reunião do conselho da organização. “Isso tudo é muito bom para o produtor, porque vai agregando valor à amêndoa e aumenta a procura”, disse Neyde.
Etapas de produção
A produção do chocolate de qualidade começa no processo de beneficiamento de cacau, logo após a colheita do fruto em campo. O beneficiamento busca produzir amêndoas de excelente qualidade, que apresentem teor de umidade de no máximo 8%, sem contaminantes físicos, biológicos e químicos, além de boa apresentação externa e aroma natural.
As amêndoas de qualidade não podem estar mofadas, danificadas por insetos, ter coloração e odores estranhos ou a casca furada pelo desenvolvimento do embrião da semente do cacau. Basicamente, o beneficiamento primário do cacau compreende cinco etapas: colheita, quebra, fermentação, secagem e armazenamento.
Atenção mais especial é dada durante a fermentação das amêndoas, pois é nesta etapa que se inicia a formação do sabor e aroma de chocolate. A fermentação é feita em cochos, que são caixas feitas de madeiras de lei para evitar que a amêndoa do cacau receba odores. Depois de fermentada, a amêndoa do cacau é colocada em barcaças ou balcões expostos ao sol para secar naturalmente ou com auxílio de secadores artificiais se o clima estiver muito úmido.
Uma vez bem secas, as amêndoas são encaminhadas para a indústria processadora. No caso da Ceplac, que tem uma fábrica de chocolate na unidade de Ilhéus, são produzidos 50 quilos de chocolate por semana com as amêndoas de qualidade beneficiadas na região e na própria área da instituição, com foco maior em pesquisa do que em produção industrial.
“Recebemos o material, fazemos a classificação e começamos o processo pela limpeza do produto. Depois, a amêndoa vem para torração, quebra, e após passar por uma máquina se transforma em nibs. Esse nibs quando passa por um moinho, se transforma em uma pasta chamada líquor. É esse líquor que faz o chocolate”, explicou Carlyle Brito, técnico da Ceplac.
Incubadora de conhecimento e qualidade
A Ceplac é identificada como precursora do movimento de valorização do processo de beneficiamento e melhoria de qualidade das amêndoas de cacau. “É na Ceplac que as pessoas vão buscar informações, ver a transformação da amêndoa em chocolate. E são os produtores que arregaçam a manga e trabalham duro, porque um cacau diferenciado demanda tempo. Chocolate é amor e dedicação”, comenta Neyde.
A instituição também fornece os principais clones de cacaueiro plantados na região, que apresentam em suas características o tripé de produtividade, resistência a doenças e aroma, e oferta novas tecnologias de manejo do cacaueiro para aumentar a produção.
A descoberta de variedades de sabor e aroma do cacau brasileiro tem rendido bons frutos nos últimos dez anos, como o surgimento de novos produtores, a diversificação da renda, criação de eventos nacionais e a conquista de prêmios internacionais para o chocolate produzido na região.
“A Ceplac faz parte de uma história, nós mudamos o perfil do produtor, que começou a buscar mais conhecimento para chegar nesse ponto da produtividade e de qualidade da amêndoa. Mudamos a forma do mundo ver o cacau brasileiro. Até então, o nosso cacau não era aceito nos blends dos grandes chocolateiros europeus. Hoje, estamos participando de eventos internacionais, ganhando prêmios, e recebendo visita de vários estrangeiros”, destaca Neyde.
A especialista defende que o mundo se acostume com o sabor do cacau brasileiro, que apresenta variedades diferenciadas a partir do cruzamento do chamado cacau crioulo, originário da Amazônia, com sabor mais suave, doce e aromático, com o cacau forasteiro, produzido em outros biomas, como a Mata Atlântica, e que apresenta um sabor mais intenso e amargo.
“Qual o melhor chocolate do mundo? Aquele que te faz feliz, eu diria, que você vai degustar e apreciar sabendo que tem outros diferentes. Tem muito cacau maravilhoso, como o cacau chuncho peruano, famoso no mundo todo, mas, por que o nosso Parazinho não é famoso no mundo também? O mundo precisa conhecer que o nosso cacau tem sabor e aroma sim, diferentes dos outros locais”, questiona.
Uma das variedades especiais de cacau forasteiro produzidas no sul da Bahia é o Parazinho. Ele apresenta cor amarela e seu perfil sensorial identificado pelos especialistas da Ceplac aponta sabor de cacau com adstringência, amargor e acidez.
Mercado do cacau fino
Apesar do crescimento do interesse pelo chocolate feito a partir do cacau fino, ele representa um mercado de nicho que tem baixa participação nas transações comerciais em comparação com o cacau comum ou a granel, conhecido como bulk .
O comércio mundial de cacau fino não chega a 200 mil toneladas no mundo, volume que representa menos de 5% do total comercializado entre os países. No caso do Brasil, a exportação de cacau fino não chegou a 700 toneladas no ano passado, segundo o IBGE.
Mas o preço alto do cacau fino é o grande diferencial que tem estimulado os produtores. Em alguns casos, os cacauicultores que oferecem amêndoas de qualidade recebem percentuais de até 100% sobre a cotação do cacau comum.
“O preço do cacau fino é três vezes maior do que o valor comercializado na bolsa. O preço na bolsa hoje é US$ 2,5 mil a tonelada. Então, o cacau fino deverá ser comercializado este ano em torno de US$ 7,5 mil, ou seja, é um produto muito especial”, comenta Fernando Mendes, pesquisador da Ceplac Pará e especialista em economia agrícola aplicada.
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