Sustentabilidade na cadeia de fertilizantes e produção agrícola no Brasil: Economia Circular práticas ESG
O uso de fertilizantes tem contribuído para o atendimento às demandas por alimentos, fibras, bioenergia e uma série de outras matérias-primas agropecuárias, fundamentais para sustentar o crescimento da população mundial e o desenvolvimento econômico global. Mudanças no perfil de consumo da população, questões ambientais emergentes e a necessidade de maior eficiência dos sistemas de produção têm levado o setor de fertilizantes a uma movimentação no sentido da sustentabilidade, em sintonia com o Plano Nacional de Crescimento Verde, lançado em 25 de outubro de 2021.
Em relação às reservas finitas de nutrientes minerais, a gestão do fósforo e do potássio na agricultura é reconhecida como estratégica desde a década de 1980. Recentemente, a Comissão Europeia considerou crítica a questão do P, tendo em vista sua importância econômica e o risco de descontinuidade de fornecimento. O potássio não foi considerado crítico no relatório da Comissão Europeia, mas em função da elevada exigência pelas culturas e do restrito número de países/empresas que concentram o mercado produtor. Para a agricultura, sua situação também pode ser considerada crítica. O nitrogênio (N) é o outro macronutriente muito demandado na nutrição mineral das culturas e fornecido via fertilização. Em contraponto ao P e o K, seu reservatório global (N2 atmosférico) não preocupa. Os desafios para a sustentabilidade do setor de fertilizantes nitrogenados estão principalmente relacionados à necessidade de inovação na rota de produção (indústria), com redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE) e aumento da eficiência de uso de N pelas plantas (tecnologia de fertilizantes e manejo da fertilização).
A valorização de biomassas residuais de processos agroindustriais, industriais e/ou urbanos é fortemente indicada como alternativa viável para compor o setor de fertilizantes, reciclando nutrientes, ampliando as fontes e regionalizando as soluções. Também o reúso de efluentes em sistemas de fertirrigação e a mineração urbana se mostra como tendências mundiais para recuperação de elementos ou compostos, a partir de efluentes, aterros sanitários, resíduos de incineração, efluentes, resíduos eletroeletrônicos e resíduos de demolição e construção civil.
Relatório elaborado para países europeus defende a redução de impostos quando a matéria-prima tem origem secundária, o que é importante medida para viabilizar empreendimentos de produção mais sustentáveis. De fato, a harmonização regulatória é aspecto-chave na viabilização e implementação de soluções para a produção mais sustentável de fertilizantes.
Não somente o setor de fertilizantes tem incorporado novas forças motrizes para as mudanças. Ficou claro, a partir do primeiro quarto do século XX, que alterações antrópicas na estrutura e função dos sistemas naturais são ameaças à continuidade da vida no planeta, pelo menos da forma que conhecemos. Desde então, os riscos associados aos padrões de produção e consumo foram gradativamente trabalhados pela ciência e pelo desenvolvimento tecnológico, passando às esferas políticas e regulatórias, que emergiram na forma de conceitos de ESG (Environmental, Social and Governance) e similares (Corporate Social Responsibility – CSR; Socially Responsible Investment – SRI; Principles for Responsible Investment - PRI), para reconfiguração do ecossistema de negócios e mapeamento dos investimentos. O ESG e instrumentos correlatos partem da ideia de investimento que extrapola o retorno econômico direto, ou seja, que gera benefícios a toda a cadeia de produtos e serviços criados, incluindo os trabalhadores e as comunidades envolvidas. Atualmente os investimentos ESG representam parte crescente do mercado de capitais, com valores globais da ordem de US$ 30 trilhões em ativos gerenciados por fundos de estratégia sustentável.
Entre as principais empresas produtoras de fertilizantes no mundo, a Nutrien e a PhosAgro apresentam relatórios ESG; a Mosaic, a Yara, a Australian Potash Internacional apresentam, em suas páginas on-line, os relatórios de sustentabilidade. No Brasil, os relatórios de sustentabilidade já são oferecidos por fornecedores de fertilizantes, principalmente os de NPK para grandes cadeias do agronegócio (cana-de-açúcar, grãos, citros e floresta – de 33% a 41% das empresas) e fornecedores de micronutrientes (67% das empresas). Entretanto, cabe destacar que, até o presente momento, as iniciativas ambientais dessas empresas estão voltadas para atendimento de exigências relacionadas aos licenciamentos e minimização de impactos pela construção e uso de estruturas, com discussões iniciais envolvendo outros tipos de impactos.
A preocupação com o desafio climático global e o interesse nos conceitos de economia circular e ESG já estão na pauta das grandes corporações do setor de fertilizantes. A Política Comum para a Agricultura (CAP) da União Europeia está estruturada no que se chama Green Deal (Pacto Verde), que prevê a transição para modelos sustentáveis de produção e para atender aos objetivos no combate às mudanças climáticas estabelecidos para o bloco.
De forma geral, fertilizantes respondem por cerca de 2,5% do total de emissões de gases de efeito estufa (GEE) para atmosfera, resultantes do gasto de energia fóssil para síntese, processamento e transporte dos fertilizantes; e de reações no solo após utilização. Boas práticas de uso de fertilizantes na agricultura permitem maior eficiência produtiva, ao mesmo tempo que reduzem a pressão ambiental pela abertura de novas áreas e conduzem a elevados aportes de material orgânico no solo, via resíduos culturais, que incrementam o estoque de carbono no solo. O efeito poupa terra do incremento da produtividade, em contraposição à abertura de novas áreas, é importante globalmente, uma vez que a expansão da fronteira agrícola representa cerca de 10% das emissões de GEE. Estima-se, a partir de dados de produção das culturas, de área plantada e das quantidades médias de N, P e K para o Brasil, que o uso de tecnologias, dentre elas a fertilização, para aumento da produtividade de soja, cana-de-açúcar, milho, arroz, feijão e algodão, tenha resultado num efeito poupa terra superior a 50 milhões de hectares entre os anos de 1990 e 2018, além de emissões evitadas da ordem de alguns bilhões de toneladas de CO2.
O uso correto e equilibrado de fertilizantes para suprir nutrientes para as plantas está alinhado com o que a FAO (Food and Agriculture Organization) define como Climate-Smart Agriculture. Em outras palavras, compreendem práticas que trazem benefícios para a produção, enquanto reduzem os impactos no clima do planeta. Além disso, estão em sintonia com outra ação mais específica da própria FAO, no que tange ao Código Internacional de Conduta para o Uso Sustentável e Gestão de Fertilizantes (Código de Fertilizantes), que define papéis, responsabilidades e ações para prevenir o uso indevido de fertilizantes e seus potenciais impactos sobre a saúde humana e o meio ambiente.
A tecnologia de fertilizantes nitrogenados com uso de inibidores de processos biológicos no solo (urease e nitrificação) e/ou de liberação lenta após aplicação e/ou revestidos com biopolímero é aliada na busca por balanços mais favoráveis de C no sistema produtivo, na medida em que permite a aplicação de dose de N mais ajustada à demanda da planta (evita excessos) e resulta em menor emissão de N2O a partir do fertilizante aplicado no solo, comparativamente às fontes tradicionais de nutrientes. Há ainda necessidade de reduzir os custos dessas tecnologias para aumentar a adoção pelos produtores. A expansão desses fertilizantes dependerá também da incorporação desses fertilizantes de eficiência aumentada às misturas comerciais.
Outra questão é o crescimento de bioinsumos para a maior eficiência de uso dos nutrientes e promoção de tolerância a estresses abióticos. De acordo com o "The European Biostimulants Industry Council (EBIC)", composto por uma comunidade que atualmente conta com 62 empresas ativas na Europa, a natureza circular dos insumos biológicos (inoculantes e biofertilizantes) aumenta a eficiência dos recursos e reduz as perdas de nutrientes. Empresas globais, como a Yara Internacional, propõem abordagem para a Climate-Smart Agriculture que envolve, além do aumento da eficiência de uso de N pelas plantas, a redução de emissões de GEE na fabricação de fertilizantes. A sustentabilidade do setor de fertilizantes requer, portanto, uma visão agregada.
A União Europeia já reduziu em 21% as emissões de GEE pela agricultura entre os anos 1990 e 2014 com a aplicação de menores doses de fertilizantes e aumentos de produtividade. Concomitantemente, houve a simplificação de regras e medidas de incentivo para a adoção de modelos produtivos mais eficientes, bem como a promoção de inovação (Eco-Innovation) em fertilizantes. Recentemente, foi publicada a estratégia Farm to Fork (com objetivos declarados de 50% de redução no uso de fertilizantes minerais e pesticidas sintéticos).
Nos EUA, a recente Agenda de Inovação Agrícola (AIA) propõe aumentar a produção em 40%, enquanto reduz sua pegada ambiental pela metade até 2050. Entre os diversos caminhos para se atingir esses objetivos, estão incluídos o desenvolvimento e a promoção de novas tecnologias e práticas para melhorar o manejo de fertilizantes minerais e orgânicos.
A Política Nacional de Biocombustíveis, a RenovaBio – Lei nº 13.576, de 26 de dezembro de 2017 (Brasil, 2017), por sua vez, já traz na contabilidade de C a dose de fertilizante nitrogenado utilizada (usada na estimativa de emissão de N2O após a aplicação) e o tipo de fertilizante (usado para as emissões de GEE na rota de produção da fonte nitrogenada). A transparência dessa contabilidade e a adesão massiva dos produtores de biocombustíveis à RenovaBio e ao mercado de CBIOs direcionaram a atenção para o uso de fertilizantes nitrogenados nas culturas energéticas, estimulando a busca por fontes mais eficientes e com menor impacto em termos de emissões de GEE, além de abrir maior espaço para o uso de resíduos agroindustriais e bioinsumos.
As iniciativas mundiais e os exemplos de políticas brasileiras citados indicam, claramente, que a competitividade das cadeias produtivas está cada vez mais dependente não só da sua eficiência produtiva, mas também do seu desempenho ambiental e social. O setor de fertilizantes, como parte essencial e indispensável dessas cadeias, tem buscado se adaptar aos novos desafios. Essa evolução pode ser potencializada com sinais claros de apoio e direcionamento por parte dos gestores governamentais, como a inserção da discussão a respeito da sustentabilidade ambiental no Plano Nacional de Fertilizantes.