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A entrada em operação do instrumento, denominado JPCam, marca o término da fase de desenvolvimento tecnológico do levantamento celeste hispano-brasileiro Javalambre Physics of the Accelerating Universe Survey, o J-PAS.
Primeira luz de câmera astronômica construída pelo Brasil acontece no Observatório Astrofísico de Javalambre, na Espanha
A JPCam, a segunda maior câmera astronômica do mundo, observou a sua primeira luz técnica na noite de 29 de junho, obtendo com sucesso as primeiras imagens do céu. No campo da astrofísica profissional, chama-se de “primeira luz técnica” o momento em que um instrumento é apontado pela primeira vez para o céu e coleta e registra fótons provenientes de objetos celestes, como estrelas ou galáxias. Esse procedimento visa verificar se o desempenho do instrumento é aquele previsto nas suas fases de desenvolvimento.
Construída majoritariamente pelo Observatório Nacional (ON), a JPCam foi acoplada, em junho, ao telescópio de 2,5m de diâmetro JST/T250 (
do nome em inglês
Javalambre Survey Telescope
), localizado no Observatório Astrofísico de Javalambre (OAJ), na Espanha. Com a instalação da câmera, o OAJ passa a dispor de toda a instrumentação de primeira geração necessária para
executar
o projeto
J-PAS (do nome em inglês
Javalambre Physics of the accelerating universe Astrophysical Survey
)
, um dos maiores levantamentos celestes desta década. O J-PAS, que no Brasil é coordenado pelo ON sob o nome de PAU-Brasil (do nome em inglês
Physics
of the Accelerating Universe
), fará a cobertura de uma área de 8.500 graus quadrados, correspondendo a aproximadamente 40% do céu do Hemisfério Norte visível desde Javalambre,
e gerará 2,5 petabytes de dados. O levantamento vai produzir um mapa tridimensional do céu em 56 cores e seu legado científico abrangerá diversas áreas da astronomia, que vão desde a reconstrução da história da expansão do Universo nos últimos 10 bilhões de anos, até a formação e evolução de galáxias, a estrutura e a história de nossa galáxia, a Via Láctea, as propriedades das primeiras estrelas do universo e o estudo de asteroides em nosso sistema solar.
JPCam instalada no foco Cassegrain (parte inferior) do telescópio JST/T250 , localizado no Observatório Astrofísico de Javalambre (OAJ), na Espanha. Crédito: Centro de Estudos de Física do Cosmos de Aragão (CEFCA)
A JPCam possui mais de 1,2 milhões de pixels distribuídos em um mosaico de 14 detectores de carga acoplada ou CCD (do nome em inglês Coupled Charge Device ), que trabalham em condições de alto vácuo a 110º Celsius abaixo de zero, e pesa mais de 1,5 tonelada. A câmera fornece imagens com altíssima resolução em todo o amplo campo de visão do telescópio, que compreende 4,5 graus quadrados e equivale a 36 vezes a área da Lua cheia. Para visualizar uma de suas imagens em escala real, seria necessário reunir aproximadamente 600 monitores full HD. A câmera trabalha em conjunto com um exclusivo e inovador sistema de 56 filtros ópticos de banda estreita, que permite produzir um foto-espectro a partir de cada um dos pixeis do instrumento. A alta capacidade de resolução e seu sistema de filtros tornam a JPCam uma das câmeras astronômicas mais poderosas do mundo.
“Dado o grande campo de visão do telescópio JST/T250, as primeiras observações com a JPCam foram feitas apontando para áreas do céu nas quais dezenas de milhares de estrelas podem ser observadas em cada exposição, para podermos verificar a qualidade da imagem e sua homogeneidade em todo o campo de visão”, explica Antonio Marín-Franch, pesquisador do Centro de Estudos de Física do Cosmos de Aragon (CEFCA), na Espanha, responsável pelo OAJ e um dos gerentes de projeto da JPCam. “Este é, sem dúvida, o aspecto mais difícil do sistema câmera-telescópio, já que a necessidade de obter imagens de boa qualidade neste enorme campo de visão aumentou a complexidade dos sistemas opto-mecânicos do JST/T250 e da JPCam. A noite foi ótima e conseguimos resultados fantásticos, obtendo uma qualidade de imagem excelente e, sobretudo, incrivelmente homogênea em todo o campo de visão, como esperávamos”, completa Marin-Franch.
Imagem obtida durante a primeira luz técnica da câmera JPCam: galáxia de Andrômeda (M31), localizada a 2,5 milhões de anos-luz de distância, que possui um diâmetro angular no céu equivalente a sete Luas cheias, sendo o maior objeto extragaláctico que pode ser observado a olho nu no Hemisfério Norte. Crédito: Centro de Estudos de Física do Cosmos de Aragão (CEFCA)
Em astronomia, mede-se a qualidade de uma imagem em termos do parâmetro denominado seeing . Uma boa imagem tomada a partir do solo deve ter um seeing menor do que 1” (um segundo de arco). “Na primeira luz da JPCam, os pesquisadores verificaram que o seeing ao longo de todo o campo de visão foi de 0,88”, de maneira uniforme , o que é um fato tecnologicamente surpreendente, dado o tamanho da câmera”, diz Renato Dupke, pesquisador do ON, coordenador do PAU-Brasil e um dos diretores científicos do J-PAS.
O projeto J-PAS/PAU-Brasil é uma colaboração Brasil-Espanha e envolve também, além do CEFCA e do ON, o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG/USP) e o Instituto Astrofísico de Andalucía do Conselho Superior de Pesquisas Científicas da Espanha (IAA/CSIC). A produção da JPCam constituiu a principal contrapartida material brasileira para o projeto e o investimento realizado foi de aproximadamente 9 milhões de euros, aportados majoritariamente pelo ON ao longo de 10 anos, principalmente com recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Rio de Janeiro (FAPERJ) e do próprio Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), ao qual o ON está vinculado. O investimento também contou com aportes importantes do IAG/USP, através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), e do CEFCA, por meio do Fundo Europeu para o Desenvolvimento Regional (FEDER) .
O sucesso da primeira luz técnica da JPCam é um marco para a colaboração J-PAS, já que a construção da câmera foi um dos principais projetos de pesquisa e desenvolvimento da colaboração . Após o processo de design, revisão, gerenciamento técnico e fabricação de seus vários componentes, realizado pelo Observatório Nacional, a montagem final, o ajuste e a verificação levaram dois anos para serem completados pela equipe de engenheiros do CEFCA. “A concepção, design e construção de todas as subpartes, incluindo os detectores, a criogenia, os filtros e as partes “quentes” de uma câmera tão grande quanto a JPCam foram um verdadeiro desafio técnico-científico desde o início do projeto e do financiamento brasileiro, 10 anos atrás. Muitos componentes e sistemas da JPCam são protótipos de alta complexidade projetados e testados pela primeira vez neste instrumento”, explica Renato Dupke, que participou deste desenvolvimento. “É recompensador ver o retorno de um investimento brasileiro em ciência básica que vai produzir muitos frutos de alto nível internacional, já que o J-PAS se anuncia como o levantamento de maior legado astronômico desta década”, ele conclui . O pesquisador Fernando Roig, vice-diretor do ON e membro do J-PAS, ressalta que “a pesquisa científica tem resultados normalmente a médio e longo prazos, por isso é fundamental que haja investimentos como este em ciência básica, que permitam o progresso científico e o desenvolvimento de novas tecnologias com aplicações em diversos campos.”
"O projeto J-PAS é um marco para a astronomia brasileira. Na sua capacidade total, ele poderá fornecer respostas importantes sobre o comportamento do campo gravitacional em escalas cosmológicas, o que constitui um teste da Teoria da Relatividade Geral de Einstein, assim como sobre a natureza da chamada energia escura, que é o mecanismo físico por trás da aceleração cósmica atual", explica o pesquisador do ON Jailson Alcaniz, coordenador do Grupo de Teoria da colaboração J-PAS.
Com a primeira luz técnica da JPCam, começa a denominada fase de comissionamento da câmera no telescópio, quando são realizados os últimos trabalhos de ajuste fino do instrumento. Nos próximos meses, a equipe de cientistas e engenheiros executará uma série de verificações e otimizações da JPCam, do telescópio e da infraestrutura de gerenciamento e análise de dados, a fim de alcançar o melhor desempenho possível.
Após a fase de comissionamento, a JPCam começará a sua operação científica. A maior parte do tempo de observação será usada para levar adiante o levantamento J-PAS, mas pelo menos 20% do tempo serão oferecidos à comunidade científica internacional, para que os pesquisadores possam acessar o uso da infraestrutura disponível através de chamadas regulares para tempo de observação em forma competitiva.
Imagem da Lua cheia sobreposta em escala com o campo de visão da JPCam instalada no telescópio JST/T250, que demonstra a distribuição do mosaico dos 14 detectores CCD e o tamanho do campo de visão do conjunto óptico.
Crédito: Centro de Estudos de Física do Cosmos de Aragão (CEFCA)
Fonte : Observatório Nacional