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Os acervos arqueológicos e etnográficos da instituição foram formalizadas como patrimônio cultural brasileiro há 80 anos. Eles garantem a conservação e o conhecimento sobre milhares de objetos representativos de povos da Amazônia e possuem importância singular no campo científico, sociocultural e político. Este é o assunto da live que o Museu Goeldi promove nesta quinta-feira (27), a partir das 10h, em seu canal oficial no YouTube.
Museu Goeldi debate a trajetória das primeiras coleções centenárias tombadas
Agência Museu Goeldi – “Eu vejo um museu de grandes novidades. O tempo não para”. Os versos, eternizados na interpretação de Cazuza, em 1988, esboçam transformações e potencialidades perfeitamente relacionadas aos centenários acervos do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Este tempo mutável, com aquisição de conhecimentos científicos e tecnológicos e a implantação de novas perspectivas conceituais é o tema da live "A Coleção Arqueológica e Etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi: Patrimônio Cultural do Brasil" que a instituição promove nesta quinta-feira (27), a partir das 10h, pelo seu canal oficial no YouTube. Quem conversa com os internautas são duas pesquisadoras titulares da instituição, a antropóloga e museóloga Lucia Hussak van Velthem, curadora da coleção etnográfica, e a arqueóloga Helena Pinto Lima, curadora da coleção arqueológica. Na mediação, estará o antropólogo Cyro Lins (MPEG), ex-superintendente regional do Iphan no Pará.
Tombadas em maio de 1940 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), as duas coleções estiveram reunidas até a década de 1950. A separação e nova ordenação dos acervos, coordenada por Eduardo Galvão, conduziu a outras formas de acondicionamento, classificação e estudo dos objetos coletados e salvaguardados na instituição. Mas esta é apenas uma das mudanças conectadas a este conjunto de milhares de bens culturais, testemunhos dos modos de vida de povos indígenas e comunidades tradicionais, em especial da Amazônia. Outra mudança está relacionada com a percepção do acervo etnográfico enquanto um patrimônio plural: dos povos indígenas que criaram os seus componentes, da instituição que os abriga e do Brasil que os reconheceu enquanto patrimônio nacional.
O encontro virtual é o terceiro da série “O essencial do Museu Goeldi”, pensado para marcar a celebração da instituição para o Dia Nacional do Patrimônio Histórico, celebrado em 17 de agosto, e que teve início no último dia 14. O primeiro encontro prestou uma homenagem aos 125 anos do Parque Zoobotânico, assunto central também da segunda live. Na ocasião, foram apresentadas informações preciosas sobre a história do logradouro, com os motivos e argumentos técnicos que permearam o processo de tombamento - em nível federal e estadual - de um parque histórico, abrigo para coleções vivas da fauna e flora amazônica.
O Museu Goeldi, sediado em Belém (PA), é responsável por salvaguardar, na Coordenação de Ciências Humanas, a Coleção Etnográfica, composta atualmente por 15 mil objetos de diferentes categorias artesanais. Ele se constitui assim em um dos maiores depositários de coleções etnográficas - históricas e modernas - no Brasil, juntamente com o Museu do Índio (Fundação Nacional do Índio – Funai) e o Museu de Arqueologia e Etnologia (Universidade de São Paulo).
No Museu Goeldi, a reserva técnica Curt Nimuendaju constitui um espaço provido de controle ambiental, o que representa um elemento fundamental para as políticas de salvaguarda de acervos etnográficos, constituídos sobretudo por elementos orgânicos. Nos armários deslizantes desta reserva técnica estão acondicionados artefatos oriundos de 120 povos indígenas que vivem principalmente na Amazônia brasileira, mas também na Amazônia peruana e colombiana. Outras coleções provêm dos Saamacá, povo maroon do Suriname; de populações tradicionais no Brasil, como quilombolas, ribeirinhos e pescadores; e de populações centro africanas, coleção esta que remonta ao final do século XIX.
Lúcia van Velthem tem uma trajetória de 45 anos como pesquisadora do Museu Goeldi e se dedicou sobretudo aos povos Wayana e Aparai, do Norte do Pará, tendo na obra “O belo é a fera: a estética da produção e da predação entre os Wayana”, sua tese de doutorado, um dos principais frutos deste trabalho. É a responsável pela curadoria do acervo etnográfico, que representa rica fonte de consulta “para um amplo leque de estudos interpretativos na área das ciências humanas: cultura material, tecnologias tradicionais, antropologia da arte, etnohistória e história da arte, processos migratórios, trocas e apropriações culturais como resultado das situações de contato”, como descreve em um de seus artigos.
Dois marcos distintivos deste acervo se destacam nas últimas décadas. Um deles é o compartilhamento de informações etnográficas por meio de plataformas virtuais – como o site Amazonian Museum Network, uma iniciativa conjunta do MPEG, Musée des Cultures Guyanaises e o Musée Départamental Alexandre-Franconie (Guiana Francesa) e Museu Stichting Surinaams (Suriname). O outro é o compromisso com a curadoria compartilhada que destaca a importância do acervo etnográfico para os povos indígenas, e, portanto, deve ser acessado e interpretado em suas próprias perspectivas. Nesse processo, as coleções são compreendidas menos como testemunhos de culturas tradicionais, e mais como suportes de dimensões históricas, políticas, identitárias, conectadas a uma prática e a um discurso dos povos indígenas que foram longamente silenciados nessas instituições.
Arqueologia – A curadora da coleção arqueológica, Helena Lima, ressalta a importância desta coleção, que traz testemunhos materiais da longa e diversa história indígena da Amazônia, ao mesmo tempo em que materializa a própria história das pesquisas na região, ao longo dos seus 154 anos de formação e gerenciamento. Reforça o empenho do Museu Goeldi para estreitar sua relação com o público e para “descolonizar os olhares sobre o passado indígena”.
Em artigo publicado em 2018 na Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, ela argumenta que “é preciso trazer o museu e suas coleções para as demandas do século 21” e assim tem trabalhado numa renovação da política de acervo da coleção, agora mais voltada à sua extroversão, e que busca reconectar os objetos aos seus contextos originais e documentações, visando oferecer novas possibilidades para sua conexão com diferentes grupos sociais.
É neste sentido que, desde 2016, ela coordena ações para promover o estudo e a socialização da coleção arqueológica com o projeto “Replicando o Passado: socialização do acervo arqueológico do Museu Goeldi através do artesanato cerâmico de Icoaraci”. A iniciativa é uma colaboração entre a curadoria Reserva Técnica Mário Ferreira Simões e os ceramistas de Icoaraci, que encontram nas cerâmicas arqueológicas a inspiração para sua produção artesanal.
“Visamos, com as diversas ações e projetos em andamento e previstos para o futuro, fomentar produção de conhecimento sobre os acervos de forma mais integrada e contextualizada, e também solidificar a nossa nova política de gestão, acesso e socialização dos acervos culturais do Museu Goeldi”. Salienta que isso somente é possível devido ao muito que já se avançou em períodos anteriores, principalmente em termos da segurança, gerenciamento e da conservação e da coleção.
Atualmente, a equipe de curadoria está desenvolvendo um complexo processo de reorganização física e movimentação do acervo arqueológico, em função da substituição de estantes fixas por deslizantes e de outras melhorias infraestruturais da Reserva Técnica Ferreira Mário Simões. Esta ação é vista como uma boa oportunidade para colocar em prática as novas diretrizes curatoriais, ao movimentar aproximadamente 3 mil objetos cerâmicos de grandes dimensões e cerca de 7 mil caixas contendo vestígios procedentes de diversas regiões da Amazônia. São cerâmicas arqueológicas (vasilhas, urnas funerárias, estatuetas), artefatos líticos (como pontas de flecha, lâminas de machado, muiraquitãs); de faianças, vidros e metais que remontam à significativa história colonial e pós-colonial da região, além de materiais orgânicos, incluindo osteológicos (ossos humanos e animais). Materiais que já contaram ou estão por contar parte da vida de povos que habitaram a Amazônia há centenas ou milhares de anos atrás.
A curadora da Reserva Arqueológica destaca a série de critérios levada em conta neste processo de reorganização, como os materiais simbolicamente sensíveis; áreas de visitação e áreas privativas; as alocações por região, projeto, coleções e cultura; e as limitações de acondicionamento.
Mas, não é do passado que vive a coleção. Ao contrário, o que dá vida aos objetos e coleções salvaguardados na instituição são justamente as inúmeras possibilidades de novas leituras e ressignificações. E essas conexões com diferentes grupos sociais, que se estabelecem no presente, garantem também o futuro desta coleção. “Este é um projeto ambicioso, que se encontra em fase inicial e se coloca como mais um desafio à equipe de curadoria do Museu”.
Helena também pontua outra questão fundamental: “conseguimos mobilizar um fantástico grupo de estagiários e voluntários dos cursos de Museologia e de Conservação e Restauro da UFPA, que se juntaram à nossa reduzida equipe de curadoria, e aos quais somos muito gratos”. Gratidão que está envolta em muita ansiedade pela conclusão das atividades, interrompidas com o início da quarentena, imposta pela pandemia do novo coronavírus.
Serviço | Live "A Coleção Arqueológica e Etnográfica do Museu Paraense Emílio Goeldi: Patrimônio Cultural do Brasil"
Data - 27 de agosto, às 10h
Participantes – Lucia Hussak van Velthem (curadora da coleção Etnográfica do MPEG) e Helena Pinto Lima (curadora da coleção Arqueológica do MPEG).
Mediador – Cyro Lins (antropólogo/MPEG)