Notícias
DIA DAS MÃES
Crônica de servidora homenageia as mães e convida à reflexão
Enfim chegou o momento que eu tanto temi: minha filha, seis anos, encasquetou em saber tudo o possível sobre meu trabalho. Onde era, o que eu fazia, onde eu ia quando viajava, e por que eu não tinha me voluntariado para falar sobre tudo isso no dia que fizeram um “Desfile das Profissões” no Jardim de Infância.
E embora nós, mães, saibamos que muitas vezes é necessário contar uma mentira aqui e outra ali (para além da Fada do Dente, do Coelho da Páscoa e do Papai Noel), em nome do bem-estar familiar, eu resolvi que era o momento de contar a verdade.
- Eu sou servidora pública – respondi. - Trabalho como Oficial de Inteligência em um lugar que se chama Agência Brasileira de Inteligência.
- Mas o que você faz o dia todo?
- Na maioria do tempo, eu leio muita coisa, escrevo muita coisa. Participo de reuniões, que são conversas de trabalho com outras pessoas.
- Mas e viaja por quê?
- Viajo para ter reuniões, para ver coisas e conversar com pessoas, e depois que eu viajo eu tenho que escrever sobre a viagem, e ler mais coisas, e conversar com as pessoas sobre isso.
- Que chato... eu achei que você era agente secreta.
- De onde tu tirou isso?
- Ah, eu ouvi o papai falar uma coisa assim.
Eu estava ensaiando um esclarecimento, mas ela se deu por satisfeita e foi fazer outra coisa.
Mas eu sei que esse assunto vai voltar várias vezes ao longo do tempo. Não só sobre o que eu faço, mas sobre como eu faço. Também sei que, eventualmente, vou ser cobrada. Por ela, por mim mesma. Talvez pelas viagens, talvez pelas horas de trabalho. Talvez pelo cansaço que tira a vontade de brincar quando chego em casa.
É claro que toda mãe que trabalha em horário integral tem esses mesmos dilemas. A nós, servidoras da Inteligência, eu acrescentaria o estresse de conviver com a sensibilidade da atividade, com as questões do sigilo, com as preocupações de segurança. São uma camada extra numa carga que já é bem pesada.
E então pensei nas histórias de tantas colegas daqui que passam por perrengues semelhantes aos que passo e aos que já passei. Começando pelo estresse e medo de se voltar ao trabalho depois do período de licença-maternidade, quando a vida que se tinha antes acabou, em todos seus aspectos – e de como é duro e solitário esse recomeço. A angústia de botar em escolinha ou deixar com babá. A ausência de uma rede de apoio ampla como nossas mães e avós tiveram. A incompreensão dos colegas – tanto de homens como de mulheres – sobre as dificuldades desse período; a dificuldade em concentrar pensando no que a criança está fazendo, se está comendo, se está chorando; as dores nos seios do leite acumulado e as fugas ao banheiro, ao carro ou a algum outro lugar desconfortável para a “ordenha” escondida (que palavra péssima, por sinal – fica o convite para pensarmos em um termo menos... bovino, por assim dizer).
Conheço mães que mudaram de casa para poder passar meia horinha a mais no horário do almoço com a cria. Que sofreram perseguições e calúnias infundadas enquanto passavam por uma das fases mais delicadas da vida do ser humano, o puerpério. Que não sonhavam com a gravidez ou com filhos, mas quando vieram, se adaptaram ao que esse papel demandou, mesmo que à custa de outros sonhos. Mães solo, dando conta, não sei como, do trabalho, da criança, e da saúde mental. Conheci, na época do concurso, uma futura mãe corajosa que fez os testes físicos com um barrigão enorme de quase sete meses. Eu mesma passei meu primeiro Dia das Mães correndo e nadando, na tensão de passar por aquela etapa do concurso, sabendo que, aqui dentro, estaria mais apta, no sentido material ao menos, a cumprir meus deveres de maternidade.
Todo mundo já ouviu a frase “Quando nasce uma criança, nasce também uma mãe”. E eu gostaria de acrescentar: nasce também um outro tipo de profissional. Talvez mais atenta às dificuldades que outras colegas já tiveram ou passaram. Talvez até arrependida de não ter enxergado essas dificuldades nas outras que vieram antes. Talvez mais disposta à paciência e à tolerância, virtudes que acabam atropeladas pelas urgências da vida corporativo-burocrática.
Não é fácil. Não só pelo aspecto físico, do cansaço, da falta de sono. De chegar em casa e ter uma pilha de roupinhas para dar conta, um lote inteiro de mamadeiras para esterilizar. Mais do que tudo, pelo aspecto emocional – dar conta de criar um serumaninho nesse mundo complexo e difícil sendo uma guia amorosa, um porto seguro, e ao mesmo tempo equilibrar os pratos da vida profissional – também complexa, difícil e demandante.
Mas penso que existe uma maneira de tornar o mundo do trabalho mais receptivo às mães. Na falta das avós, tias, vizinhas, amigas, penso que a rede de apoio ampla de que se precisa pode assumir mais formas. Ela pode existir também no ambiente de trabalho. Não só na flexibilização de horários, demandas, na adaptação das entregas ao que é possível. Mas principalmente na solidariedade, na compreensão, na ausência de julgamento. No contínuo oferecimento de oportunidades, mesmo para quem precisa sair correndo às 17h30 para pegar criança na escola e não pode ter seus compromissos com a família interpretados como falta de interesse no trabalho. Para quem recusa uma viagem ou outra porque está precisando ficar mais tempo em casa.
Esses “percalços” da maternidade, e o fato de que persistimos com eles e apesar deles – deveriam contar a favor, e não serem obstáculos para as carreiras das mães. Eles demonstram que, apesar de tudo, mesmo que em determinados momentos nosso coração e nossa cabeça estejam com a criança que está febril ou com problemas na escola, a gente dá conta (na maioria das vezes – e tudo bem quando não damos). Mas que não se duvide da força e da capacidade que temos enquanto mães e mulheres.
(Sem ser injusta, sei que há pais que também fazem esses papéis – e eles precisam exatamente da mesma rede de apoio).
Que o Dia das Mães de todas seja cheio de risadas, de coisas boas, de alegria, carinho e amor. E que em todos os outros dias as mães sejam tratadas com respeito, afeto, cuidado. Dentro e fora do ambiente de trabalho.