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Evento comemorativo “ABC 30 anos” - Niky Fabiancic, coordenador-residente do Sistema ONU no Brasil e representante-residente do PNUD Brasil
Gostaria de manifestar o enorme prazer de estar aqui, representando as Nações Unidas nesta importante cerimônia de comemoração dos 30 anos da Agência Brasileira de Cooperação (ABC).
Felicito a Agência Brasileira de Cooperação não somente pelos resultados internacionalmente reconhecidos nesses 30 anos, mas também pela eficiente liderança desempenhada na coordenação e condução da cooperação técnica internacional no Brasil.
O aniversário de 30 anos da ABC é ocasião propícia para que o Brasil celebre a existência de uma agência que é reconhecida como referência e modelo para outros países e celebre também uma história de cerca de 70 anos de cooperação técnica.
No Brasil, as ações de cooperação recebidas do exterior contribuíram para a criação e fortalecimento de numerosas instituições brasileiras, elevando suas bases de conhecimento e capacidades técnicas. E as ações serviram também para conhecer as melhores práticas de outros países, contribuindo para o desenho de políticas públicas brasileiras. Embora hoje em volume reduzido, continua contribuindo em campos específicos para o desenvolvimento do país.
Ao longo dos anos, a cooperação recebida vem cedendo lugar àquela prestada pelo Brasil a outros países. Com o desenvolvimento e implementação de políticas públicas bem-sucedidas, o Brasil despertou o interesse de nações em desenvolvimento que enfrentavam desafios similares e passou a compartilhar o conhecimento de suas instituições públicas. E é sobre a crescente importância da cooperação entre países em desenvolvimento, em especial sobre a expressiva atuação do Brasil no progresso da cooperação sul-sul, que gostaria de dedicar atenção aqui hoje.
O nascimento do conceito de cooperação Sul-Sul data de meados da década de 1950, e ele permanece válido até hoje, além de ter-se fortalecido. O legado da Conferência de Bandung, na Indonésia, viria a transcender o contexto afro-asiático e as questões eminentemente políticas. O ator coletivo, forjado no conceito de cooperação Sul-Sul em abril de 1955, sofreria mudanças quantitativas e qualitativas no curso dos anos posteriores, ao incorporar maior número de países, não só afro-asiáticos, mas também latino-americanos, e ao adotar agenda econômica cada vez mais pronunciada e complexa.
Esses esforços de apoio entre os países em desenvolvimento alcançaram seu ponto máximo na Conferência das Nações Unidas sobre a Cooperação Técnica entre Países em Desenvolvimento, realizada em Buenos Aires, em 1978. Essa conferência foi a primeira tentativa de organizar e institucionalizar a cooperação Sul-Sul no âmbito das Nações Unidas e estabeleceu o marco para as discussões sobre o conceito da modalidade. E não foi somente retórica. Os países adotaram o Plano de Ação de Buenos Aires (PABA), que gerou um novo conceito, o de “cooperação horizontal”, um complemento e não uma substituição da cooperação técnica norte-sul. O plano recomendava o compartilhamento de melhores práticas baseado no princípio de solidariedade e não interferência nos assuntos internos das nações.
Essa concertação dos países do Sul, em Buenos Aires, revelou-se fundamental para infundir substrato à agenda do desenvolvimento. Serviu para orientar a cooperação para o progresso econômico e bem-estar dos povos, que havia sido enunciada pela primeira vez em 1945, na Carta das Nações Unidas. Em seu preâmbulo, a Carta da ONU estipula que:
“Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla... E para tais fins, empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.”
Ao longo da última década, a cooperação Sul-Sul cresceu exponencialmente, com formas cada vez mais institucionalizadas nas esferas política e econômica e vem progressivamente ganhando apoio em fóruns internacionais. Nos últimos anos, merecem destaque dois eventos muitos significativos: 1) a Conferência de Alto Nível das Nações Unidas sobre Cooperação Sul-Sul, de 2009, em Nairóbi; e 2) a Reunião do Comitê de Alto Nível para a Cooperação Sul-Sul, de 2016, em Nova Iorque.
Uma das contribuições mais relevantes do Documento Final de Nairóbi, além de incentivar o Sistema das Nações Unidas e invocar os Estados-Membros a apoiarem a implementação da cooperação Sul-Sul e da cooperação triangular, foi acordar a seguinte definição operacional:
“A cooperação Sul-Sul é um esforço mútuo dos povos e países do Hemisfério Sul, que nasceu de experiências e afinidades compartilhadas, fundamentada em seus objetivos e solidariedade comuns, guiada pelos princípios, inter alia, de respeito à soberania e propriedade nacionais, e livre de quaisquer condicionalidades. A cooperação Sul-Sul não deve ser vista como uma ajuda oficial ao desenvolvimento. É uma parceria entre iguais baseada na solidariedade.”
Essa definição nos permite tirar algumas conclusões sobre um aspecto que é único da cooperação Sul-Sul e motivo pelo qual ela é um instrumento tão relevante para o avanço da nova agenda global. A cooperação Sul-Sul é referida muitas vezes como uma das forças motrizes mais importantes para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
As Nações Unidas têm fomentado a aplicação do conceito e princípios de cooperação Sul-Sul e triangular por todos os seus organismos, em especial aqueles que atuam em países em desenvolvimento, promovendo a troca de experiências positivas, principalmente aquelas que poderiam ser replicadas em outros países com realidades semelhantes.
O Brasil tem sido um ator crucial nesse processo, principalmente por compartilhar seu conhecimento e expertise com os países do Sul Global. A relevância do Brasil na cooperação Sul-Sul se dá pelo seu pioneirismo em programas domésticos; que habilmente estão sendo ampliados para outros países, como os de combate à fome e diminuição da pobreza, sistemas de transferência de renda, que foram transplantados com êxito para a África, a Ásia e a América Latina e o Caribe. Iniciativas de grande impacto como essas, se adequadamente aproveitadas, poderiam trazer contribuições significativas para uma série de preocupações urgentes, desde a fome e a saúde até a educação e a energia sustentável.
Do ponto de vista histórico, o apoio do Sistema ONU à cooperação Sul-Sul e Triangular brasileira remonta à criação da ABC em 1987. As histórias da ONU no Brasil e da ABC se misturam em muitos momentos e, ao longo dessas três décadas, a cooperação Sul-Sul permitiu compartilhar a excelência do conhecimento produzido pelo país com a cooperação técnica internacional das Nações Unidas.
Não mencionarei, por questão de tempo, todas as iniciativas inovadoras e transformadoras realizadas conjuntamente pela ABC e o Sistema ONU. Os livros que serão lançados proverão um registro mais exaustivo. Permito-me somente destacar algumas ações do nosso passado recente, que são muito expressivas e elucidam nossa parceria e os excelentes resultados para o Brasil e os países parceiros beneficiados com a solidariedade brasileira.
O PNUD foi um parceiro importante na criação da Agência e ao longo destes 30 anos, principalmente como apoiador de seu fortalecimento institucional e do estabelecimento do modelo de cooperação técnica do país. Modelo este que veio sendo aprimorado ao longo do tempo. Por exemplo, o PNUD e o Governo brasileiro assinaram em 2010 o “Acordo-Quadro de Parceria”, que estabelece diversas linhas de cooperação e, em especial, registra o compromisso do PNUD em apoiar com sua rede de mais de 130 escritórios no mundo a cooperação Sul-Sul do Governo Brasileiro.
O Projeto Cotton-4+Togo é um exemplo de projeto implementado no âmbito do Acordo-Quadro e visa apoiar o desenvolvimento do setor algodoeiro dos países parceiros, com base na experiência bem-sucedida da Embrapa nesse setor. A primeira fase do projeto contemplou Chade, Mali, Burquina-Faso e Benin. A segunda fase do projeto incluiu também o Togo. Esse projeto tem a característica inovadora de contar com recursos advindos de contencioso ganho pelo Brasil na OMC, disponibilizados por meio do Instituto Brasileiro do Algodão. Em 2016, esse projeto foi agraciado com o prêmio do PNUD América Latina que reconhece as melhores práticas em cooperação Sul-Sul para o desenvolvimento sustentável.
A cooperação realizada por meio da ABC envolveu também parcerias com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o Programa Mundial de Alimentos (PMA) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) nas áreas de agricultura familiar, desenvolvimento rural, alimentação escolar, segurança alimentar e nutricional e proteção social.
Em 2011, como expressão do crescimento das parcerias entre o governo brasileiro e as organizações internacionais, foi criado em Brasília o Centro de Excelência do PMA, projetando estratégias regionais e globais de combate à fome, políticas públicas de alimentação escolar e de aquisição de alimentos. Este Centro de Excelência se soma ao Centro Internacional de Pobreza para o Crescimento Inclusivo (IPC-IG, na sigla em inglês) criado em 2004 como resultado de parceria entre o PNUD e o IPEA, tendo a ABC como membro do Conselho Diretivo para a promoção de um diálogo Sul-Sul sobre políticas sociais inovadoras e de origem sulista. Esses centros são exemplos claros do apoio do Sistema das Nações Unidas para a produção de conhecimento e disseminação de experiências bem-sucedidas das políticas públicas brasileiras.
Saúde é outra área de cooperação em que a experiência brasileira é igualmente demandada e apreciada. Como exemplo, citarei um projeto no Haiti, coordenado pela ABC, que contou com a participação dos Ministérios da Saúde do Brasil, de Cuba e do Haiti; e foi apoiado e implementado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o PNUD e o Escritório das Nações Unidas para Serviços de Projetos (UNOPS).
O projeto visou à construção de três hospitais comunitários, capacitação de profissionais de saúde, aquisição de equipamentos e fortalecimento da vigilância epidemiológica. Adicionalmente, de 2010 a 2014, o projeto financiou a capacitação de mais de mil agentes comunitários de saúde, mais de cinquenta inspetores sanitários e quase 300 auxiliares de enfermagem. Esse projeto teve importante impacto depois dos devastadores efeitos do terremoto de 2010.
No início de 2015, o Governo do Reino Unido, por intermédio do DFID, uniu esforços com o governo do Brasil e as Nações Unidas na iniciativa "Brasil e África: Combate à Pobreza e Empoderando as Mulheres através da Cooperação Sul-Sul ". Esse projeto é implementado pelo ONU Mulheres, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), e o PNUD, em parceria com diversas instituições brasileiras e moçambicanas. O objetivo é a elaboração e a implementação de políticas e programas nacionais para fortalecer as iniciativas existentes, com o objetivo de promover o desenvolvimento social e econômico inclusivos, com particular ênfase no empoderamento das mulheres e igualdade de gênero.
No campo das ciências naturais, o Brasil é reconhecido mundialmente por sua excelência na gestão de recursos hídricos, conhecimento este que se aprimorou por meio de um programa de cooperação de longos anos do Ministério do Meio Ambiente com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), que resultou, inclusive, na criação da Agência Nacional de Águas – ANA. Com o apoio da UNESCO, da ONU Meio Ambiente e do PNUD, a ANA hoje pode levar esse conhecimento a outros países da América Latina e também da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, consolidando os mecanismos regionais de cooperação em matéria hídrica.
É nesse sentido que congratulo a ABC pela adequação das políticas públicas brasileiras ao contexto da cooperação Sul-Sul, com o espírito de respeito à cultura e à realidade dos países parceiros, seguindo o princípio de horizontalidade da cooperação brasileira. Igualmente ressalto o papel fundamental da ABC na coordenação da cooperação técnica recebida e oferecida pelo Brasil de forma a garantir que as experiências compartilhadas se adequem ao contexto local, sejam elas implementadas no Brasil, sejam no exterior.
Com a implementação da Agenda 2030, a cooperação internacional assume um papel de grande relevância, pois pode atuar como catalizadora de ações intersetoriais e integradas. E a cooperação Sul-Sul constitui uma ferramenta valiosa para alcançar o progresso nessas metas, desempenhando o Brasil um forte papel de liderança nesse processo. É nesse contexto que coloco as redes globais do Sistema ONU à disposição do Brasil, da ABC, para aprofundar nossa parceria e fomentar o desenvolvimento de países mais justos e sustentáveis.
Senhoras e Senhores,
Não tenho sombra de dúvida de que, no ano próximo, quando a comunidade internacional celebrar os 40 anos do Plano de Ação de Buenos Aires, o Brasil poderá apresentar orgulhosamente tudo o que foi construído ao longo deste caminho, tudo que o país fez para transformar ideias e princípios de cooperação solidária em realidade, ajudando muitos países e milhões de pessoas a terem um futuro melhor. Importante reconhecer que esses feitos não teriam se concretizado sem a contribuição decisiva da ABC.
Igualmente importante reconhecer e parabenizar os funcionários presentes e passados da ABC. Eu conheço muito deles e posso testemunhar seu compromisso e lealdade com os princípios e valores universais da cooperação Sul-Sul e sua luta permanente por melhorar a qualidade de vida dos brasileiros e dos cidadãos dos países que solicitam o apoio do Brasil. Parabéns!
Desejo ainda mais sucesso à ABC nos próximos anos. O Sistema das Nações Unidas estará sempre pronto para apoiá-la e para trilhar novos caminhos juntos.