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Especialistas refletem sobre agroecologia, agricultura familiar e algodão no cenário atual
No contexto atual da pandemia do COVID-19, vivido por todo o planeta, o projeto +Algodão entrevistou especialistas da Colômbia e do Brasil, parceiros desta Cooperação Sul-Sul Trilateral, para uma reflexão sobre o papel da Agroecologia, agricultura familiar e produção de algodão, entre outros temas de interesse da região. A agricultura familiar nos países parceiros do projeto +Algodão (Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, Haiti, Paraguai e Peru) representa 80% dos produtores de algodão do continente.
Como que um sistema de produção diversificado, como, por exemplo, de algodão e outras culturas alimentares, poderia ajudar os agricultores a obter renda, especialmente neste momento? Que mensagem você deixaria para esses agricultores diante desse cenário da pandemia do COVID-19?
Marenilson da Silva (Embrapa Algodão-Brasil): Sistemas de produção diversificados apresentam maior estabilidade no aspecto socioeconômico e ambiental, uma vez que a diversidade de culturas e melhoramentos gera produtos ao longo do ano, promovendo a segurança alimentar familiar, a nutrição animal, a preservação ambiental e a comercialização de produtos no mercado local. No caso do algodão orgânico na região semiárida do Brasil, por exemplo, os agricultores garantiram as vendas por meio de um contrato assinado com empresas comerciais, pouco antes do plantio. As demais culturas são inseridas em curtos circuitos de comercialização, o que facilita o fluxo da produção, como feiras livres e da agricultura familiar. E, nesse período de pandemia, as entregas diretas aos consumidores têm sido uma importante saída estratégica para a comercialização de produtos de sistemas diversificados.
No que diz respeito à comercialização, recomendo que os agricultores conheçam melhor os canais de vendas on-line, tendo em vista que essa modalidade cresce cada vez mais em comparação com a comercialização nos mercados físicos. Ampliar as vendas por meio de aplicativos e ligações diretas com os consumidores é uma tendência mundial. Outro aspecto importante é a intensificação do processo de comunicação sobre os produtos, destacando o valor dos produtos da agricultura familiar para a saúde das pessoas (alimentos frescos e saudáveis), além da vantagem de promover a economia local, promovendo o desenvolvimento local.
Sobre agroecologia na produção de alimentos e de algodão, como que ela pode contribuir para este cenário atual do COVID-19?
Marenilson da Silva (Embrapa Algodão-Brasil): A Agroecologia é a base dos sistemas de produção sustentáveis que garantem a segurança alimentar das pessoas e dos animais, bem como o recurso financeiro que garante a entrada de renda no sistema de produção de pequenas fazendas. A Agroecologia permite a oferta de alimentos em pequenos circuitos de comercialização e locais, essenciais para as medidas de isolamento social conforme determinado pela Organização Mundial da Saúde.
Em tempos de crise da saúde, em termos de produção agroecológica, que precauções os agricultores devem tomar ao plantar e colher seus produtos para comercialização?
Marenilson da Silva (Embrapa Algodão-Brasil): Estamos vivendo um momento de pandemia com a presença do coronavírus, que atinge fortemente pessoas que necessitam de cuidados especiais por parte dos agricultores. O primeiro passo consiste na proteção individual das famílias dos agricultores, seja no trabalho diário de semear, plantar ou, às vezes, para comprar insumos na cidade. O segundo passo é a colheita para evitar o contato direto das pessoas, sem o uso de proteção com os produtos que serão comercializados e também entregues aos consumidores. É importante embalar os produtos da maneira correta e segura, evitando contaminação desde a saída da fazenda até os pontos de venda, o que garante uma boa qualidade e inocuidade dos produtos.
*Marenilson Batista da Silva é Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Algodão, Brasil. Engenheiro Agrônomo, Mestrado em Produção Vegetal com atuação nos sistemas de produção algodoeira em consórcio com cultivos agroalimentares (o primeiro na sequência de fotos).
Qual a contribuição da agroecologia, especialmente neste contexto atual em que vivemos?
Félix Moreno (Universidade de Tolima - Colômbia): A posição da Agroecologia como resposta a melhorias nas condições de soberania alimentar, melhorias nas condições ambientais e nas condições sociais de produção e consumo é conjuntural. Por esse motivo, é evidente que contribui para gerar uma resposta em tempos de pandemia, pois as soluções são ratificar o pensamento agroecológico em suas três posições (ciência, militância e modo de vida). Uma posição que fortalece a agroecologia em tempos de pandemia é o desenvolvimento de sistemas alimentares sustentáveis ??ou sistemas alimentares localizados, porque eles desenvolvem uma visão do território. Essa abordagem desenvolvida antes da pandemia é reforçada pelas restrições que aparecem nesses tempos difíceis, mas que são consensuais no desenvolvimento para melhorar as condições dos produtores e sua relação direta com o consumidor. Este postulado define a redução da pegada de carbono causada pelo transporte e embalagem de alimentos, desenvolvida com uma visão do território e, assim, construindo territórios soberanos.
Outra abordagem ou proposta da Agroecologia é a redução da dependência externa, como uma ferramenta para a soberania predial. Quanto mais modelos com redução de insumos externos forem desenvolvidos, mais sustentáveis ??e resilientes serão (impactos externos aos fenômenos sociais, ambientais e econômicos).
Você poderia falar da relação entre agroecologia, produção de alimentos saudáveis ??e seguros e mercados para os Agricultores Familiares (AF´s) em tempos de crise como a do COVID-19?
Félix Moreno (Universidade de Tolima - Colômbia): Fortalecer a agricultura familiar significa fortalecer o território. Na Colômbia, 70% dos alimentos vêm dos AF´S, incluindo agricultores que compartilham sua subsistência diária com a venda de mão-de-obra (basicamente porque não possuem terras) bem como "produtores familiares de agricultura comercialmente bem-sucedidos". Sobre a relação direta da Agroecologia com a produção e distribuição de alimentos de alto valor biológico, uma das contribuições da Agroecologia, e insisto em um dos pontos em que estou trabalhando atualmente, é a criação de territórios soberanos capazes de sustentar sua população e, com isso, reduzir a dependência dos distribuidores que atuam como um elemento disseminador do vírus (já comprovado na Colômbia) no maior centro de distribuição de alimentos que trouxe a doença, como Bogotá, com transporte para locais distantes dos surtos.
A construção de territórios sustentáveis ??está relacionada aos direitos humanos e ao direito à alimentação adequada. Não se trata do ato de ser alimentado, mas que este seja produzido e distribuído sob condições apropriadas. A conformação desses sistemas não pode ser realizada a partir da produção externa para o território, pois a partir deles conceitos como consumo-tradição começam, e é naquele momento que se realiza a contribuição da agricultura familiar a partir do desenvolvimento de modelos de intercâmbio produtor-consumidor, que relegam ou reduzem a especulação do intermediário na cadeia e garantem uma alimentação sob as condições locais disponíveis: Agroecologia, fauna silvestre, abelhas sem ferrão, sistemas alternativos de produção, sistemas alimentares sustentáveis.
**Félix Moreno (Universidade de Tolima - Colômbia) é atualmente, diretor do Departamento de Desenvolvimento Agrário da Universidade de Tolima, na Colômbia. Engenheiro em Produção Animal, Mestre em Recursos Naturais Renováveis e Agroecologia. Doutorando em Agroecologia. Pesquisador em uso dos recursos locais disponíveis, Agroecologia, fauna silvestre, abelhas sem ferrão, sistemas alternativos de produção, sistemas alimentares sustentáveis.
Fonte: Com informações FAO Fotos: FAO e EMBRAPA