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Agroecologia avança no Senegal com apoio de técnicos brasileiros
Ao todo foram três semanas de trabalho intenso em que especialistas da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio) , da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Agence Nationale d'Insertion et de Développement Agricole (ANIDA) estiveram reunidos com os produtores senegaleses para mais uma fase do projeto “Fortalecimento de Práticas Agroecológicas para o Estabelecimento de Sistema Participativo de Certificação no Programa de Fazendas “Naatangué” . A missão teve como um dos objetivos garantir um dos pontos-chave do projeto: a transição da agricultura convencional para a agricultura orgânica.
A delegação brasileira esteve no Senegal, entre os dias 02 a 22 de novembro e dedicou uma semana a cada região participante do projeto: Kolda, Thiepp e Sessene. A representante da ABC, Camila Ariza, destacou ao final da missão que, apesar das peculiaridades de cada região, todos os objetivos do projeto estão sendo alcançados. “O grupo de Kolda aparenta ser o que está mais à frente em agroecologia” , lembrando que são agricultores experientes, com perfil jovem e perspectiva de mercado mais real.
Ariza acredita que o grupo de produtores de Thiepp, formado por jovens produtores com pouco ou nenhum histórico em agricultura, terá um desafio maior. Por sua vez, o grupo de Sessene, constituído por produtores mais experientes, muitos deles já beneficiados pela primeira fase do projeto, poderão ter uma transição agroecológica mais natural.
Logo no início da missão, foi discutido e aprovado o “Protocolo de Transição Agroecológica”, bem como o documento de adesão coletiva, no qual os produtores locais se comprometeram a participar da transição no sistema agrícola.
Os encontros entre os parceiros brasileiros e senegaleses foram marcados por planejamento e diálogo. Cristina Ribeiro e Manoel Beauclair, da Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro - Abio, parceira e executora do projeto, falaram sobre os princípios da transição agroecológica e as bases organizacionais dos chamados “Sistemas Participativos de Garantia – SPGs”.
Cristina Ribeiro, coordenadora da Abio, salientou detalhes sobre a normatização relacionada à produção orgânica. “É preciso estabelecer normas para os produtos orgânicos, tanto de produção orgânica como de produção agroecológica” , disse. “A certificação de produtos é muito importante, até mesmo aqueles que ainda não são totalmente orgânicos, mas que estão comprometidos com a transição agroecológica” , lembrou.
Manoel Beauclair, por sua vez, lembrou que “produzir agroecologia não é simplesmente substituir produtos químicos por orgânicos”, disse. “É preciso também diversificar a produção, conhecer a relação do homem com a terra e saber respeitá-la” .
Além de dar início à implantação experimental do “Sistema Participativo de Garantia” senegalês, a missão teve como objetivo prestar apoio à ANIDA na elaboração da legislação que regulamentará a agricultura orgânica no Senegal e identificar problemas fitossanitários no controle de pragas, que afetam os cultivos nas unidades de produção beneficiárias do Projeto, propondo soluções com uma abordagem agroecológica.
Transição
Os agricultores senegaleses envolvidos no projeto deverão ter um Plano de Transição Agroecológica individual, do qual constem prazos para a implantação das mudanças no manejo.
O protocolo de transição agroecológica, definido logo no início do trabalho, servirá para nortear as ações dos produtores familiares. Segundo Cristina Ribeiro, da Abio, “iniciar a transição é uma decisão. Ela consiste em traçar um caminho, por meio do Plano de Transição Agroecológica, e caminhar coletivamente, avaliando e ajudando uns aos outros, pensando em quem se alimenta dos produtos” , lembrou.
Os técnicos brasileiros apresentaram informações sobre o Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica, sobre o Sistema Participativo de Garantia – SPG - e sobre os regulamentos técnicos da produção orgânica praticados no País. Essas apresentações foram ajustadas de modo a servir como um guia para esclarecimentos e debates com os técnicos da ANIDA.
Segundo os especialistas brasileiros, a transição agroecológica e a certificação orgânica serão fortemente condicionadas pela questão da fitossanidade. Nesse sentido, as atividades de apoio técnico à produção e as atividades de implantação do SPG devem manter um alinhamento permanente. O conteúdo das ferramentas do SPG, como normas, regulamentos e formulários, por exemplo, deve ser elaborado pelo conjunto da equipe, de modo a que se mantenha o mais coerente possível com a realidade produtiva dos agricultores do Senegal.
Sistema Participativo de Garantia
O Sistema Participativo de Garantia é um mecanismo de garantia equivalente à certificação, por uma auditoria de terceira parte, de produtos orgânicos. O sistema foi incorporado pelo Ministério da Agricultura e faz parte do processo de regulamentação da agricultura orgânica no Brasil. Apesar de fundamentado em princípios e métodos diferentes, o SPG atinge resultados equivalentes aos da certificação por auditoria de terceira parte, ou seja, a garantia da qualidade orgânica dos produtos.
O SPG tem como base o controle social coletivo: o poder de decisão de certificação é compartilhado, sem hierarquias decisórias; e a responsabilidade é solidária, onde as consequências das decisões é assumida de forma coletiva e solidária.
Para que haja transparência, cada agricultor membro do grupo deve conhecer o manejo empregado na produção dos demais membros. Isso se dá pela elaboração de um Plano de Manejo Orgânico ou por um Plano de Transição Agroecológica, que consiste em uma descrição do manejo atual da unidade de produção, bem como dos insumos empregados. O Plano é apresentado a todos os participantes do grupo, com ajuda de técnicos ou de outros membros. Em resumo, a confiança gerada pela transparência permite e sustenta a responsabilidade solidária.
Autor: Cláudia Caçador